O que é linguagem neutra? Seu uso é necessário?

A linguagem neutra (ou como eu considero mais adequado, linguagem inclusiva) busca possibilitar que transexuais, travestis, não binários, intersexos sintam-se incluídos na língua (em que há oposição entre masculino e feminino). Além disso, a linguagem neutra objetiva marcar o gênero feminino em formas até então designadas apenas pelo gênero masculino.

Atualmente esse debate tem-se destacado mais por questões políticas do que por aspectos propriamente linguísticos. Nesse debate poucos linguistas têm sido ouvidos, o que tem aumentado a desinformação e o posicionamento baseado em achismos (ou em preconceitos). Não faz sentido em assunto técnico não haver posicionamento técnico.

Destaco que tenha estudando o tema há algum tempo, em razão de eu ser coordenador de comissão que estuda a implementação no STJ da Resolução CNJ n. 376, de 2021, a qual dispõe sobre a indicação do gênero feminino nas comunicações institucionais.  

Por ser forma relativamente nova (apesar de já haver alguns estudos de 1990 sobre o tema), a linguagem inclusiva faz uso de x, de @, de e, entre outras, em palavras como alunos (alunes), e utiliza o gênero feminino em palavras em que se empregava o masculino genérico (todas e todos).

Para que compreendamos aspectos linguísticos, é fundamental que se tenha noção de que a língua é organismo vivo, ela é atividade social. Ela está em constante evolução. Diversas estruturas atualmente utilizadas eram consideradas inadequadas há um tempo. Quem pensa de modo contrário ao uso da linguagem neutra constantemente afirma que a língua portuguesa já tem a marcação de gênero neutro mediante o masculino. Ora, isso é fato e está em todas as gramáticas. No entanto, rejeitar que essa modalidade de indicação de forma neutra é imutável é rejeitar a própria noção de língua.

É importante registrar que diversos estudos (entre eles, a hipótese Sapir-Whorf) evidenciam a relação entre língua e construção do pensamento social. Ou seja, há intrínseca relação com o que se diz(e se escreve) com a maneira como determinada sociedade se enxerga. A manifestação linguística reflete nossas concepções de mundo. Sendo assim, através [para utilizar uma palavra que anteriormente era muito rejeitada pela linha clássica e hoje já é aceita por vários dicionaristas] da linguagem, podemos contribuir para a afirmação ou para a rejeição de preconceitos.

Não obstante, é preciso estudo sério sobre a implementação da linguagem neutra. Isso porque, considerando aspectos da objetividade, da clareza e da concisão, muitas vezes o texto se torna ruim para leitura se houver as diversas marcações. Veja-se isto:

Cabe ao juiz ou à juíza convocado ou convocada que se declare suspeito ou suspeita antes de proferir a decisão.

É facilmente perceptível que o foco da informação ficará comprometido em razão das diversas marcações feitas. Por isso, entendo que, em determinados contextos, em que haja possibilidade de marcação da forma neutra, é importante e necessário que ela ocorra. Em outros, em que haja comprometimento de relações textuais, é preciso que os estudos sejam aprofundados para que se ache o melhor caminho a seguir, sempre com foco na inclusão.

Registro, por fim, outro aspecto relevante: a inserção de “e”, “x” ou “@” não permite o entendimento de cegos em seus programas e aplicativos de leitura. Dessa forma, reforço a necessidade de intensificação nos estudos do tema. Mesmo assim, precisamos pensar alternativas para que todos e todas possam ser incluídos e incluídas nas manifestações linguísticas.

2 comentários sobre “O que é linguagem neutra? Seu uso é necessário?

  1. Professor, grava uma live sobre o assunto. Você está certíssimo. Trata-se de tema que (como tantos outros) demandam “menos emoção e mais razão”, como costuma dizer a Gabriela Prioli. Sou sua fã. Com carinho, Thays.

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