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O que é linguagem neutra? Seu uso é necessário?

A linguagem neutra (ou como eu considero mais adequado, linguagem inclusiva) busca possibilitar que transexuais, travestis, não binários, intersexos sintam-se incluídos na língua (em que há oposição entre masculino e feminino). Além disso, a linguagem neutra objetiva marcar o gênero feminino em formas até então designadas apenas pelo gênero masculino.

Atualmente esse debate tem-se destacado mais por questões políticas do que por aspectos propriamente linguísticos. Nesse debate poucos linguistas têm sido ouvidos, o que tem aumentado a desinformação e o posicionamento baseado em achismos (ou em preconceitos). Não faz sentido em assunto técnico não haver posicionamento técnico.

Destaco que tenha estudando o tema há algum tempo, em razão de eu ser coordenador de comissão que estuda a implementação no STJ da Resolução CNJ n. 376, de 2021, a qual dispõe sobre a indicação do gênero feminino nas comunicações institucionais.  

Por ser forma relativamente nova (apesar de já haver alguns estudos de 1990 sobre o tema), a linguagem inclusiva faz uso de x, de @, de e, entre outras, em palavras como alunos (alunes), e utiliza o gênero feminino em palavras em que se empregava o masculino genérico (todas e todos).

Para que compreendamos aspectos linguísticos, é fundamental que se tenha noção de que a língua é organismo vivo, ela é atividade social. Ela está em constante evolução. Diversas estruturas atualmente utilizadas eram consideradas inadequadas há um tempo. Quem pensa de modo contrário ao uso da linguagem neutra constantemente afirma que a língua portuguesa já tem a marcação de gênero neutro mediante o masculino. Ora, isso é fato e está em todas as gramáticas. No entanto, rejeitar que essa modalidade de indicação de forma neutra é imutável é rejeitar a própria noção de língua.

É importante registrar que diversos estudos (entre eles, a hipótese Sapir-Whorf) evidenciam a relação entre língua e construção do pensamento social. Ou seja, há intrínseca relação com o que se diz(e se escreve) com a maneira como determinada sociedade se enxerga. A manifestação linguística reflete nossas concepções de mundo. Sendo assim, através [para utilizar uma palavra que anteriormente era muito rejeitada pela linha clássica e hoje já é aceita por vários dicionaristas] da linguagem, podemos contribuir para a afirmação ou para a rejeição de preconceitos.

Não obstante, é preciso estudo sério sobre a implementação da linguagem neutra. Isso porque, considerando aspectos da objetividade, da clareza e da concisão, muitas vezes o texto se torna ruim para leitura se houver as diversas marcações. Veja-se isto:

Cabe ao juiz ou à juíza convocado ou convocada que se declare suspeito ou suspeita antes de proferir a decisão.

É facilmente perceptível que o foco da informação ficará comprometido em razão das diversas marcações feitas. Por isso, entendo que, em determinados contextos, em que haja possibilidade de marcação da forma neutra, é importante e necessário que ela ocorra. Em outros, em que haja comprometimento de relações textuais, é preciso que os estudos sejam aprofundados para que se ache o melhor caminho a seguir, sempre com foco na inclusão.

Registro, por fim, outro aspecto relevante: a inserção de “e”, “x” ou “@” não permite o entendimento de cegos em seus programas e aplicativos de leitura. Dessa forma, reforço a necessidade de intensificação nos estudos do tema. Mesmo assim, precisamos pensar alternativas para que todos e todas possam ser incluídos e incluídas nas manifestações linguísticas.

Uso do “eis que” e “posto que”

O uso de locuções conjuntivas é muito importante para evidenciar o sentido que há entre as orações. No entanto, é preciso que se use adequadamente esses conectivos. Na linguagem jurídica, é muito comum o uso de “eis que” e “posto que” para introduzir a causa de informação anteriormente apresentada.  Contudo, elas não são locuções causais, diferentemente de “visto que”, “porque”, “porquanto”.

            “Eis que” é locução que indica “subitamente”: “Estava na sala sozinho e eis que a criatura apareceu”.

            Por sua vez, “posto que” é locução concessiva, isto é, é sinônima de “embora”, “apesar de”. A norma-padrão ainda não aceita essa locução como causal. Por isso, em vez de “do recurso não se conheceu, posto que era intempestivo”, é melhor “do recurso não se conheceu, visto que era intempestivo”.            

Não me custa lembrar: sempre que for usar um termo em que haja dúvida, consulte-o em um dicionário!

10 erros que podem comprometer a credibilidade do redator

Recentemente, fiz uma live no meu Instagram (@professor_wandersonmelo) que foi muito massa e deu muita repercussão. Resolvi, então, trazer aqui, para vocês, os 10 erros que, se cometidos, podem comprometer a sua credibilidade. São erros que fazem que o leitor fique receoso quanto ao restante do texto. São erros que o levam a não mais ver com bons olhos os argumentos apresentados (mesmo se válidos e coerentes).

  1. Erro de concordância verbal: pode ser desatenção ou falta de conhecimento mesmo. Frases como “houveram problemas” ou “Os advogados foi ao Tribunal” não são bem vistas. Na primeira sentença, o verbo “haver”, por ser impessoal, não se flexiona; na segunda, faltou a flexão do verbo já que o seu sujeito está no plural. Para solucionar esses erros, é preciso que se revise o texto e, também, que se dominem alguns itens da gramática normativa. Lembre-se de que a linguagem é o seu mecanismo de trabalho.
  2. Erro de concordância nominal: mais uma vez, pode ocorrer por falta de revisão ou de conhecimento. Não se admitem erros como “a juíza irritado” ou “Os feito chegaram”. Na primeira, houve erro de concordância de gênero; na segunda falta a flexão de número.
  3. Erro de grafia: talvez um dos piores erros aqui listados. Repito: a revisão pode suprir esse equívoco. Além disso, a consulta ao Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (Volp) ou a um dicionário (como o Aulete) evita o erro de grafia. Imagine o que o leitor pensa quando lê: “pedido de suspenÇão” ou “análiZe do mérito”!
  4. Uso de caixa-alta e de diferentes fontes: POR QUE GRITAR COM O LEITOR? Sei que, muitas vezes, a intenção é chamar atenção! No entanto, essa estratégia é muito ineficiente. O texto fica poluído, agressivo. De maneira semelhante, usar diferentes fontes não favorece a leitura. Essa tentativa de chamar a atenção pode ser equivocada e, assim, afastar o leitor.
  5. Sobreposição de destaques: já vi inúmeras petições em que havia negrito, itálico, sublinhado e realce em amarelo em um mesmo trecho. Sim, quatro estratégias com o mesmo objetivo: destacar informação. O erro, no entanto, está aí: como o leitor saberá qual destaque deverá prevalecer? Como vários manuais recomendam, prefira o negrito apenas.
  6. Prolixidade: repetir a informação de maneira enfadonha e apresentar trechos desnecessários não ajuda o leitor. É preciso que sempre tenhamos o objetivo de aproximar o leitor, trazê-lo para nosso lado. É fundamental que tenhamos consciência de que, junto ao nosso texto, há vários outros. Por isso, é imprescindível a objetividade e a precisão de informações.
  7. Peça extensa: este erro poderia ser sinônimo do item anterior. Faço questão, no entanto, de ressaltar: tamanho não é sinônimo de relevância; pelo contrário, o leitor, ao se deparar com petição extensa, fica antipático a ela. Textos com mais de 15 páginas dificilmente apresentam argumentos relevantes e fundamentais para a controvérsia debatida.
  8. Não relação entre as ideias e não aprofundamento delas: antes de iniciar um texto, é fundamental que se planejem as ideias que serão apresentadas. Com isso, o leitor poderá perceber claramente a relação que há entre elas. Sem planejamento, corre-se o risco de se usarem ideias desconexas e não aprofundadas.
  9. Parágrafo extenso: o uso de parágrafos extensos impede o entendimento da informação. Isso é grave. O instrumento de trabalho operador do Direito é, em regra, a escrita. Por isso, não pode o redator não ser compreendido. Parágrafos extensos ou apresentam informação desnecessária ou informações que deveriam estar em outro parágrafo. É preciso que se entenda: parágrafo extenso não é efetivo.
  10. Relação inadequada do verbo com a medida jurídica: muitos ainda não sabem usar o verbo correto em relação à medida jurídica. O verbo “ajuizar” refere-se a “ação”; “emitir” a “parecer”; “interpor” a “recursos (recurso especial, recurso extraordinário, agravo de instrumento, etc.); “opor” a “embargos de declaração”; “impetrar” a “mandado de segurança” e “habeas corpus”.

Uso da vírgula (parte 2)

No último texto, vimos o uso da vírgula no período simples. Agora, vamos tratar do uso da vírgula no período composto, isto é, quando há dois ou mais verbos no enunciado. Para isso, lembre-se de que o período composto pode se organizar em orações subordinadas e orações coordenadas.

Uso da vírgula em orações subordinadas

No período composto por subordinação, a vírgula é utilizada para:

  1. Isolar orações subordinadas adjetivas explicativas:

Seu Nepomuceno, que travava uma briga há anos com D. Filomena, desistiu da demanda.

Atenção! As vírgulas podem ser substituídas por travessões ou por parênteses, sem alteração sintática e semântica.
2. Separar orações subordinadas adverbiais, de modo obrigatório quando elas estão antepostas ou intercaladas à principal:

Se houver interesse, creio que fecharemos o negócio.

A mulher, quando viu sua irmã, suplicou auxílio.

Não compreendia o chefe, já que nunca o fora.

      Veja que, nos dois primeiros casos, as vírgulas são obrigatórias (na primeira sentença, a oração adverbial está anteposta; na segunda a oração adverbial está intercalada).

Atenção!
1.   Diferentemente do que ocorre no período simples, o tamanho do termo adverbial não é importante para o uso da vírgula. Aqui, em que há oração, o que vale é a posição – se antes ou depois da oração principal: Se beber, não dirija. Viu que a oração é pequena, mas a vírgula depois de beber é obrigatória?
2.   Para fazer a pontuação em orações subordinadas substantivas, basta considerar as funções sintáticas por elas exercidas. Não se separam por vírgula da oração principal as orações subjetivas, objetivas diretas, objetivas indiretas, completivas nominais e predicativas — afinal, sujeitos, complementos verbais e nominais não são separados por vírgulas dos termos   a que se ligam; isso também se pode dizer do predicativo, nos predicados nominais. Compare estes exemplos:
Acredite, que a fé é a última que morre.
Acredite que a fé é a última que morre.
No primeiro caso, a vírgula foi utilizada para introduzir uma explicação ao que foi sugerido (acredite). Ou seja, a vírgula separa orações coordenadas, nas quais que a fé é a última que morre é coordenada sindética explicativa. No segundo exemplo, que a fé é a última que morre é complemento do verbo acredite e, assim, é oração subordinada substantiva objetiva direta. Por fim, destaco que a oração subordinada substantiva apositiva deve ser separada da oração principal por vírgula ou dois pontos, exatamente como ocorre com o aposto.
Fiz uma recomendação, que se portasse dignamente.
Peço-lhe uma providência: que administre melhor os recursos da instituição.

Uso da vírgula em orações coordenadas

No período composto por coordenação, a vírgula é utilizada para:

  1. Separar orações coordenadas assindéticas:

Acendeu um cigarro, gritou exasperadamente, fugiu para os montes.

2. Separar orações coordenadas sindéticas, salvo as introduzidas pela conjunção e:

Ninguém me ouviu, mas falei mesmo assim.

Não corras, que a chegada já se avizinha.

Atenção!
1.   Lembra-se do caso de vírgula e e? Vou trazer novamente a informação que apresentei na parte 1. Quem já viu pode pular para o ponto 2. A vírgula pode anteceder a conjunção e em três hipóteses: a) quando o sujeito das orações for distinto, sendo obrigatório seu uso quando houver ambiguidade: A vocação da sociedade é a geração de bem-estar, e o Estado precisa corresponder a isso. Veja que, nesse exemplo, a inserção da vírgula é imprescindível para destacar que o Estado é sujeito de precisa, não complemento de geração ou, ainda, predicativo de é; b) quando a conjunção e está repetida (polissíndeto), sendo o uso da vírgula opcional: E eles riem, e eles dançam, e eles gritam, e eles brigam; c) quando a conjunção e tiver sentido de mas, isto é, se tiver valor adversativo (uso da vírgula obrigatório): Não pediu nada, e o governo lhe deu terras produtivas. Correu 20km, e não ficou cansado.
2.   Quando há oração em que ocorre conjunção adversativa ou conjunção conclusiva, as frases podem ser dispostas da seguinte maneira; há oito possibilidades:
1.   Nunca lhe disseram a verdade, portanto em nada acreditava.
2.   Nunca lhe disseram a verdade, em nada, portanto, acreditava.
3.   Nunca lhe disseram a verdade; portanto em nada acreditava.
4.   Nunca lhe disseram a verdade; portanto, em nada acreditava.
5.   Nunca lhe disseram a verdade; em nada, portanto, acreditava.
6.   Nunca lhe disseram a verdade. Portanto em nada acreditava.
7.   Nunca lhe disseram a verdade. Portanto, em nada acreditava.
8.   Nunca lhe disseram a verdade. Em nada, portanto, acreditava.
3.   Vou lhe dizer cinco importantes informações sobre as sentenças acima: a) as regras mencionadas servem para conjunções adversativas e conclusivas; b) as orações com as referidas conjunções podem ser separadas por vírgula (frases 1 e 2), por ponto e vírgula (frases 3, 4 e 5) e por ponto-final (frases 6, 7 e 8); c) a conjunção apenas fica entre vírgulas (frases 2, 5 e 8) quando ela estiver deslocada; d) se houver separação por ponto e vírgula e ponto-final, a conjunção pode ou não ser isolada por vírgula (frases 3 e 4, 6 e 7).
3. Isolar as orações intercaladas:

Se o alienista tem razão, disse eu comigo, não haverá muito que lastimar o Quincas Borba.

Atenção! As vírgulas podem ser substituídas por travessões ou por parênteses, sem alteração sintática e semântica.

Uso da vírgula (parte 1)

Você bem sabe que um dos assuntos que mais importantes em Língua Portuguesa é pontuação. Dentro dele, o de maior recorrência é o uso da vírgula. Pensando nisso, este artigo e o próximo vão tratar sobre todas as possibilidades de uso da vírgula. Eles podem lhe ser úteis em provas objetivas e discursivas. Neste artigo vou abordar a vírgula no período simples, isto é, quando há apenas um verbo no enunciado.

Uso da vírgula

A vírgula é utilizada no período simples nas seguintes hipóteses:

  1. Para separar termos que exercem a mesma função sintática (sujeito composto, complementos, adjuntos ou predicativos), quando não estão unidos pelas conjunções e, nem e ou.

Meninos, meninas, homens, mulheres devem viver em harmonia.

Não levou roupas, objetos pessoais, dinheiro.

Considerava os homens frívolos, grosseiros, estúpidos.

Atenção!
1.   Caso as conjunções e, nem e ou estejam repetidas, é comum haver uso da vírgula, para efeito de ênfase: Nem João, nem Maria, nem Joaquim, nem ninguém conseguirá responder a esta questão.
2.   Quando se usa entre dois termos a partícula ou para indicar equivalência, podem-se usar as vírgulas: O homem ou a mulher fará isto; O homem, ou a mulher, fará isto.
3.   A vírgula pode anteceder a conjunção e em três hipóteses: a) quando o sujeito das orações for distinto, sendo obrigatório seu uso quando houver ambiguidade: A vocação da sociedade é a geração de bem-estar, e o Estado precisa corresponder a isso. Veja que, nesse exemplo, a inserção da vírgula é imprescindível para destacar que o Estado é sujeito de precisa, não complemento de geração ou, ainda, predicativo de é; b) quando a conjunção e está repetida (polissíndeto), sendo o uso da vírgula opcional: E eles riem, e eles dançam, e eles gritam, e eles brigam; c) quando a conjunção e tiver sentido de mas, isto é, se tiver valor adversativo (uso da vírgula obrigatório): Não pediu nada, e o governo lhe deu terras produtivas. Correu 20km, e não ficou cansado.
2. Para separar termos que exercem funções sintáticas diversas, principalmente nestes casos:
a) Aposto ou termo de explicação ou correção.

Aquela mulher, Filomena dos Santos, estava bastante abalada com a notícia.

Ganhou dois, aliás, três milhões de reais.

Nada ocorrerá, isto é, até agora nada ocorreu.

b) Vocativo.

Quantos absurdos, frade!

Ó pai, ajuda-me!

c) Elementos repetidos.

Nunca, nunca, volte a repetir isso.

d) Adjunto adverbial (é opcional se não for de grande extensão e se estiver na ordem direta).

Especificamente, trate dos temas solicitados.

O ministro leu seu voto, rapidamente.

Atenção!
É obrigatória a vírgula caso o adjunto adverbial seja de grande extensão e esteja deslocado (ordem indireta): Na manhã de ontem, pedi conselhos ao padre; O parlamentar, durante a entrevista, estava bastante irritado. Considera-se, em regra, grande extensão termo com mais de duas palavras.
e) Para separar, nas datas, o nome do lugar.

Dubai, 6 de fevereiro de 2020.

f) Para indicar a elipse de termo (geralmente o verbo).

No portão, flores e grandes árvores.

Ele sai agora; eu, em seguida.

Atenção!
É facultativo o uso da vírgula para marcar o complemento verbal topicalizado, quando aparece repetido por pronome oblíquo: A redação, eu a fiz ou A redação eu a fiz.
g) Para separar certas conjunções deslocadas.

Naquele momento, contudo, o fogo havia acabado.

Veio, pois, trazer tumulto ao evento.

h) Depois de assim, então, demais e outros advérbios e locuções adverbiais empregados no início de sentenças, com sentido de conjunção. Essa regra é enunciada por Napoleão Mendes de Almeida (2009, p. 579):

Afinal, iremos hoje?

Portanto, peço-lhe esses itens.

Atenção!
Há quatro informações sobre o uso do etc.: 1) Há estudiosos da língua que não concordam com a aposição da vírgula antes de etc. Segundo alegam, a abreviatura significa e outras coisas e, por isso, não poderia haver o sinal de pontuação antes do e. No entanto, há diversos autores que defendem o emprego da vírgula antes etc., pois afirmam que a expressão já não designa apenas coisas, o que comprova evolução semântica. Portanto, o importante é adotar uma forma e empregar a abreviatura de maneira padronizada. 2) Não se deve usar e antes do etc. 3) Já que é abreviatura, ela deve sempre ser seguida de ponto. 4) Caso etc. encerre período, o ponto-final não deve ser duplicado.

Na próxima semana, há continuação. Até lá!

Regência do verbo “assistir”

Vamos analisar a regência do verbo assistir. Você vai perceber que, a cada sentindo possível do referido verbo, existe uma possibilidade de construção. Abaixo, seguem as acepções do verbo assistir com as respectivas observações.

  1. Ver, estar presente

De acordo com a tradição gramatical, o verbo assistir nesta acepção é transitivo indireto. Neste sentido, o verbo assistir não pode ser complementado por lhe, apenas por a ele (e flexões).

Assistimos a alguns espetáculos.

Assistiu a elas com entusiasmo.

        Na norma coloquial, é comum o verbo assistir ser empregado como transitivo direto. No entanto, a norma-padrão não aceita essa construção. Então, se você fosse explicar a charge abaixo, teria de escrever algo assim: O homem não assiste ao Youtube, e não O homem não assiste o Youtube!

Disponível em: http://umvestibulando.files.wordpress.com/2013/01/cartum_info10_baixa.jpg?w=800. Acesso: 9 de set 2019.

Atenção: a voz passiva é construída com verbos transitivos diretos e verbos transitivos diretos e indiretos. Contudo, por um resquício de sua forma no latim, apesar de ser verbo transitivo indireto, o verbo assistir aceita voz passiva analítica: Os espetáculos foram assistidos por um público exigente.

2. Caber (direito, dever ou razão a alguém)

Nesta acepção, o verbo assistir é transitivo indireto, com possibilidade de uso do lhe.

Ao Senado Federal assiste a competência de julgar Presidente da República em crime de responsabilidade.

Não lhe assiste o direito de mentir.

3. Ajudar, prestar assistência

Nesta acepção, é transitivo direto ou transitivo indireto. O objeto pode ser substituído por o (e flexões) ou por lhe(s).

O enfermeiro assistiu a doente (assistiu-a).

O enfermeiro assistiu ao doente (assistiu-lhe).

4. Morar

Nesta acepção, é intransitivo. Logo, o termo que o complementa é adjunto adverbial. No exemplo abaixo, em Barcelona exerce essa função.

Os jogadores assistiam em Barcelona.

Interpretação de Texto

Neste texto, quero mostrar algumas estratégias que podem ajudar você com interpretação de textos, bem como os principais erros que ocorrem em relação ao tema.

Como proceder na intepretação de texto?

A leitura é um processo de interação autor-texto-leitor. Ocorre um processo de construção de sentido. Isso porque o autor apresenta elementos por meio do texto; cabe ao leitor, mediante determinados conhecimentos, captar e depreender esses elementos. Enquanto acontece a leitura, há essa interação.

Há duas formas de leitura: inspecional (ou panorâmica) e analítica. A primeira refere-se à leitura rápida, horizontal (para conhecimento do conteúdo geral do texto, através de títulos, subtítulos e da referência de alguns parágrafos). A segunda, que é a indicada para adequada interpretação de textos, é a leitura atenta, reflexiva, vertical, com observação das informações e suas relações construídas no texto.

Não é possível delimitar todas as varáveis que contribuem para uma boa interpretação. No entanto, é possível indicar alguns passos que você pode seguir.

  1. Veja o título (se houver) e a referência bibliográfica dele. Isso ajuda você a limitar sua interpretação. Com isso, você já ativa seu conhecimento de mundo que será exigido para a análise do texto.
  2. Faça uma leitura inicial. Se o texto apresentar nível vocabular próximo ao seu e você tiver compreendido as informações dele, siga para a questão. Em caso contrário, faça mais uma leitura, sublinhando as informações relevantes.
  3. Quando chegar à questão, faça uma nova leitura do texto no trecho que é questionado. Lembre-se de verificar se essa informação em debate foi negada ou afirmada de outra maneira em outro ponto do texto. Isso é bastante frequente de acontecer.
  4. Identifique a tipologia textual. Saber se é um poema, por exemplo, facilita para as possibilidades que esse texto possui (a linguagem conotativa, por exemplo). Da mesma forma, se for um texto argumentativo, isso exigirá de você atentar para os argumentos que fundamentam uma ideia.
  5. Analise as estratégias que o autor usa, de acordo com a tipologia adotada. Verifique se o autor narra uma ação com narrador personagem ou não, por exemplo; se a descrição é feita com aspectos psicológicos ou físicos, etc.
  6. Sublinhe as ideias que se repetem. Elas dão sinais de que o autor as enfatiza e, portanto, as considera relevantes. O examinador provavelmente exigirá informações acerca delas.
  7. Sublinhe as conjunções e locuções conjuntivas. Elas evidenciam as relações de sentido entre as orações e os períodos. Frequentemente, os examinadores invertem, por exemplo, as relações de causa e consequência.
  8. Verifique se ocorre intertextualidade. Veja os pontos de intersecção com outros textos, observe se o autor evidencia uma influência de outra obra no texto analisado. A intertextualidade pode ocorrer por meio de uma alusão (referência rápida a um pensamento, uma ideia); citação textual (reprodução de texto de terceiro); e paráfrase (reescrita de trechos com manutenção de sentido).
  9. Fique atento a verbos como depreender, inferir, deduzir, entre outros. Nesses casos, o examinador faz uma afirmação com base em indícios que estão no texto. Ou seja, a informação do item não está exatamente como posta. Para ela ser verdadeira, devem existir elementos que podem gerar aquela afirmação. Para ela ser falsa, não pode haver indícios que possibilitem aquela afirmação.
  10.  Não desanime se não houver compreensão de todas as partes do texto inicialmente. Repita a leitura quantas vezes forem necessárias. Além disso, o desânimo não favorece sua atenção. Se perceber que está com dificuldade no entendimento do texto, respire e inicie novamente a leitura, desde o início do texto, sublinhando as ideias relevantes, buscando compreender as relações entre as partes do texto.

Erros na interpretação de texto

O candidato pode ser conduzido pelo examinador a cometer pelo menos um dos três erros: extrapolação; redução; contradição. Todos esses erros são cometidos porque não se observa o texto. Para compreender um texto, é preciso ter em mente que a questão é sobre o texto. O que isso significa? Que as informações dele são verdades absolutas, por mais que você não concorde com elas. Todas as justificativas que você tiver para a questão devem ser baseadas no texto e só nele. Não confunda a sua opinião com a do texto.

Extrapolação

É ir além do que foi afirmado no texto. Ocorre ampliação artificial das ideias do texto.  Normalmente, há generalização. Veja o exemplo e os comentários de Portella (2003, p. 10):

Fui ao Rio de Janeiro, conheci mulheres lindíssimas e cheguei à conclusão de que o meu lugar preferido, a partir daquele momento, era o Rio.

As interpretações erradas seriam: a) “Todas as mulheres do Rio de Janeiro são lindíssimas”; b) “O lugar onde o personagem mora não possui mulheres lindíssimas”.

A intepretação adequada seria: “A oportunidade tida pelo personagem no que diz respeito ao acesso às mulheres bonitas do Rio de Janeiro fê-lo se apaixonar pelo estado”.

Redução

É não fazer a compreensão adequada do todo. Dá-se atenção apenas a um ou outro aspecto, sem considerar que o texto é um conjunto de ideias. Veja o exemplo e os comentários baseados em Portella (2003, p. 11):

A violência no Brasil chega a índices inimagináveis. Ocorrem tiroteios, assaltos, discussões exageradas, brigas de trânsito, lutas por terras, além de outros diferentes tipos de violência.

As interpretações erradas seriam: a) “A violência no Brasil é representada exatamente por tiroteios e assaltos”; b) A violência no Brasil ocorre apenas nos grandes centros urbanos.

Veja que a violência no Brasil pode ocorrer por outros motivos além de tiroteios e assaltos. Ainda, ela acontece em cidades e no meio rural, como está no texto (“lutas por terras”).

A intepretação adequada seria: a) “Assaltos e tiroteios são algumas das variáveis da violência no Brasil”; b) A violência ocorre em diversas partes do País, seja meio rural seja urbano.

Contradição

É fazer compreensão contrária ao que o texto expõe. Afirma-se algo e se entende algo oposto a isso. Veja o exemplo e os comentários de Portella (2003, p. 10):

Os estudantes dedicados, quando sob o controle do stress, podem agir como um indivíduo sem juízo.

Uma interpretação inadequada seria: “Os estudantes são dedicados, porque podem agir como um indivíduo sem juízo”.

Observe que houve mudança das informações originais. O texto afirma que, apesar de serem dedicados, em determinada situação (sob o stress), podem agir como um indivíduo sem controle.

Referências

GARCIA, Othon Moacyr. Comunicação em prosa moderna: aprenda a escrever, aprendendo a pensar. 25ª ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2007.

KOCH, Igendore Villaça; ELIAS, Vanda Maria. Ler e Compreender: os sentidos do texto. São Paulo: Contexto, 2007.

PORTELLA, Marcelo. A arte de Interpretar Textos. Rio de Janeiro: Impetus, 2003.

Uso dos porquês: porque, por que, porquê e por quê

Uso dos porquês: porque, por que, porquê e por quê

Neste texto, vou tratar do uso dos porquês. Você também se sente como o pai de Armandinho, que não sabe quando e como usar os porquês?

Figura 1 – https://mundotexto.wordpress.com/2013/09/17/. Acesso em 4 de set.de 2019

Porque

O porque, junto e sem acento, é utilizado como conjunção causal ou explicativa. O que isso significa? Ele é usado em frases para introduzir a causa ou a explicação de algo anteriormente afirmado. Nesse caso, pode vir acompanhado de vírgula.

Jamais gritava, porque acreditava que isso representava humilhação.

Corra, porque a multidão se aproxima. 

        No primeiro exemplo, a intenção é evidenciar a causa para o fato de jamais ele/ela gritar. No segundo, objetiva-se apresentar a explicação para a ordem que foi proferida: corra.

        Um fato importante para você perceber é que essa conjunção (porque) pode ser substituída por visto que, pois, porquanto, etc. Isso pode ajudar se houver dúvida.

        Outro aspecto relevante é que, por indicar causa ou explicação, sempre há relação com outra oração, mesmo que ela esteja omitida. Nos exemplos que lhe mostrei, você viu que as orações iniciadas pela conjunção se relacionam com outras orações (gritava e corra). Veja este exemplo:

– Por qual motivo você não compareceu ao evento?

Porque estava doente.

        Agora, a oração com a qual o porque se relaciona está omitida: Eu não compareci ao evento, porque estava doente. A relação de causa é mantida, apesar da omissão. Como você sabe, ocorre essa supressão, principalmente na fala, pela dinâmica do discurso, para não torná-lo cansativo.

Por que

O por que, separado e sem acento, apresenta dois usos. O primeiro diz respeito à junção da preposição por com o pronome interrogativo que. Assim, essa forma ocorre quando há o significado de por qual razão ou por qual motivo. Observe estes exemplos:

Por que você não estuda com antecedência? (por qual razão)

Nunca compreenderei por que ele não quis tomar posse (por qual motivo).

Você sabe por que o contrato não foi assinado (por qual motivo).

        O segundo uso do por que refere-se à junção da preposição por com o pronome relativo que. Nesse caso, por que pode ser substituído por pelo qual (e flexões).

Você não sabe por que situações passei até alcançar meu objetivo (as situações pelas quais).

        Nesse caso, a preposição por surge por uma regência do verbo ou do nome que acompanha o por que. No exemplo acima, a preposição por surgiu do verbo passei (passei por situações). Veja outro exemplo:

Os ideais por que lutava nem sempre eram dignos. 

        Agora, além de poder substituir por ideais pelos quais, quero que perceba que a preposição por é exigida pelo verbo lutava (lutava por ideais).

Porquê

O porquê, junto e com acento, é substantivo, que significa motivo, causa, razão. Pode, portanto, ser substituído por essas palavras.

Por ser substantivo, ele pode ser acompanhado de artigo, pronome, adjetivo ou numeral. Assim, identificar essas palavras pode nos mostrar a função morfológica do porquê. Observe estes exemplos e os elementos que acompanham o porquê:

O porquê da ignorância revela vários problemas.

Meu porquê pode ser diferente do seu.

Não ignore os porquês evidentes; eles são fundamentais para seu crescimento.

Não se trata de dois ou três porquês: há apenas um.

        Você conseguiu identificar que o porquê está acompanhado de artigo, de pronome, de artigo e adjetivo e de numeral, respectivamente? A presença desses termos nos evidencia que porquê é substantivo.

Por quê

        O por quê, separado e com acento, apresenta função semelhante ao por que, que já vimos, quando apresenta preposição e pronome interrogativo (ou seja, pode, da mesma forma, ser substituído por por qual razão ou por qual motivo). A diferença entre eles está no fato de que por quê surge antes de pausa. O pronome interrogativo quê é acentuado em razão da tonicidade que lhe é conferida pela posição que ocupa (antes de pausa). Veja os exemplos:

Por quê?

Não vai sair comigo por quê?

Nunca estuda concentrado por quê?

Funções do “se”: reflexivo e recíproco

         Já tratei em nosso site sobre outras funções do se (partícula apassivadora e índice de indeterminação do sujeito). Neste texto, abordarei mais duas: pronome reflexivo e recíproco.

                Inicialmente, é preciso destacar que somente quando o se exerce essas funções é que ele tem função sintática. O se reflexivo ou recíproco desempenha a função de complemento verbal, isto é, objeto direto ou objeto indireto.

Se reflexivo

                Há dois aspectos para detectar o se reflexivo: sintático e semântico. Em relação ao sintático, é fundamental saber que esse se só se relaciona com verbo transitivo direto, com verbo transitivo indireto ou com verbo transitivo direto e indireto (bitransitivo). Por conseguinte, tal termo desempenha a função, como dito, de objeto direto ou objeto indireto.

                No que se refere ao aspecto semântico, deve-se considerar que o se reflexivo indica que o sujeito pratica e sofre a ação, ou seja, ação por ele praticada recai sobre ele mesmo. Vem daí o nome reflexivo e a indicação de substituição do se, nesta hipótese, por a si mesmo (ou a ele mesmo).

                Vejam-se os exemplos:

A promotora observou-se atentamente. (O se é objeto direto.)

O deputado se batia. (O se é objeto indireto.)

O réu reservou-se o direito de ficar calado. (O se é objeto indireto.)

                Perceba que há relação com verbo transitivo direto (observar), com transitivo indireto (bater) ou com verbo bitransitivo (reservar). Ademais, há noção reflexiva: A promotora observou a si mesma; O deputado bate em si mesmo; O réu reservou a si mesmo o direto de ficar calado.

Se recíproco

                Este se é muito semelhante ao se reflexivo. Tanto é assim que o gramático Napoleão Mendes de Almeida o chama de pronome reflexivo recíproco. Dessa forma, considere todos os aspectos sintáticos apresentados (relação com VTD, VTI ou VTDI e, assim, função de OD ou OI).

                A diferença entre os pronomes consiste na noção de reciprocidade, ou seja, na ideia de que é necessário que haja mais de um agente e, consequentemente, de um paciente. Por isso, aqui o se pode ser substituído por uns aos outros. Confiram-se estes exemplos:

As enfermeiras se beijam emocionadas. (O se é objeto direto.)

Os advogados se cumprimentaram. (O se é objeto direto.)

                Perceba que o sentido da primeira frase é que a enfermeira A beija a enfermeira B (e vice-versa). Em outras palavras, as enfermeiras beijam umas as outras. Na segunda, os advogados praticam a ação e, ao mesmo tempo, recebem-na – os advogados cumprimentam uns aos outros.

            Portanto, é fundamental que haja, para a ocorrência do se recíproco, mais de um agente (e paciente). No entanto, a depender do contexto, isso pode não ser suficiente:

As crianças se olharam.

                Caso se entenda que a criança A olhou a si mesma (e, da mesma forma, B olhou a si mesma), há o se reflexivo. Diferentemente, se a A olhou para B (e vice-versa), é hipótese de se recíproco.

Uso do ponto e vírgula

           Você já deve ter lido que o ponto e vírgula acontece quando a pausa não for tão forte que justifique o uso do ponto-final, nem tão fraca que seja causa para a vírgula. A meu ver, essa definição pouco auxilia. Por isso, hoje quero trazer as hipóteses para uso do ponto e vírgula.

  1. Enumeração:

Não considerava isto: as interrupções; o falatório; a sujeira; o forte odor vindo da rua.

Art. 10. Pode acessar a sala:

I – o juiz;

II – o promotor;

III – o diretor da secretaria;

IV – o advogado da parte.

O recorrente considera que o Tribunal de origem não é competente para analisar o caso; houve omissão do Juízo de primeiro grau; ocorreu erro no cálculo apresentado no TJRJ.

         Percebeu que a enumeração não precisa vir necessariamente depois de dois-pontos? O ponto e vírgula foi utilizado no último exemplo para evidenciar os argumentos apresentados. A vírgula poderia ser utilizada nos dois exemplos. No entanto, quanto maior for o enunciado que se deseja isolar, melhor será se o ponto e vírgula for utilizado. No segundo exemplo, o uso do ponto e vírgula seria imprescindível principalmente se houvesse vírgulas dentro dos argumentos lançados.

  • Entre orações adversativas (exceto no caso de mas) e conclusivas:

Julgava as pessoas; no entanto as acolhia como ninguém.

Não mostrou provas do cometimento do crime; portanto, pediu a absolvição do réu.

              Ressalto que, em ambos os casos, mesmo se a conjunção for deslocada (hipótese em que haverá uso de vírgula com a conjunção), o ponto e vírgula permanece.

Julgava as pessoas; acolhia-as, no entanto, como ninguém.

Não mostrou provas do cometimento do crime; pediu, portanto, a absolvição do réu.

  • Entre orações absolutas (oração com apenas um verbo ou locução verbal):

O amor é ilusão; a dor é realidade.

Ela tem 27 anos; eu, 23.

Como ocorre a crase

Um dos assuntos mais pedidos pelos alunos  e alunas é o uso da crase. Vou tratar do caso mais usual: a junção da preposição “a” com o artigo definido “a”.

É importante ter em mente que ela ocorre por exigência de palavras que a requerem, como verbos (dirigir-se a, referir-se a, retornar a, ir a), substantivos (obediência a, alusão a, amor a, combate a, menção a, referência a), adjetivos (semelhante a, igual a, ligado a) e advérbios (anteriormente a, próximo a, quanto a).

O segundo “a”, como artigo definido, ocorre da seguinte forma: Fomos à comemoração dela; Li a obra relativa à guerra dos 100 anos. No primeiro caso, houve exigência da preposição em razão do verbo ir e aceitação de artigo pelo substantivo comemoração. No segundo, o adjetivo exige a preposição a, bem como o substantivo guerra aceita o artigo definido a. Em ambos os casos, o substantivo está especificado; não é uma comemoração qualquer, nem uma guerra genérica.

Depreende-se, então, que a crase não pode ocorrer antes de palavras masculinas, já que elas não aceitam o artigo feminino a. Vejam-se outros exemplos: Os senadores obedeceram à observação do Regimento; Expressemos o respeito à Pátria e às leis. Nesses exemplos, ocorre o mesmo processo anteriormente comentado.

É importante ainda ressaltar que, como dito, o substantivo deve aceitar o artigo definido. Há casos em que o substantivo, apesar de ser feminino, não necessita dele, hipótese na qual o uso da crase pode não ocorrer. Confira-se o exemplo: Temos direito a voto e a moradia. Nesse caso, a despeito de o termo direito exigir preposição a, o substantivo voto e moradia não estão empregados em sentido específico, motivo por que não estão acompanhados dos seus respectivos artigos definidos (no primeiro caso o e no segundo a). Caso se quisesse imprimir especificação, poder-se-ia usar o artigo: Temos direito ao voto e à moradia. Ressalta-se, por fim, que, diante de topônimos (nomes de lugar) que pedem o artigo feminino, aplica-se a regra: Faremos inspeção à Bahia, a Brasília e à Paraíba.

Como melhorar o desempenho na elaboração de textos jurídicos

Dois aspectos são importantes na elaboração de textos: clareza na mensagem; uso da norma-padrão.  Por isso, tratarei das estratégias para atingir esses dois aspectos..

Para que a mensagem seja clara, é imprescindível que ocorra planejamento. Ele evita a prolixidade, a desorganização de ideias e a argumentação rasa. Há alguns passos relacionados ao planejamento.

Inicialmente é preciso saber o que será posto no texto. Para isso, há a técnica denominada brain storm (chuva de ideias, tempestade de ideias). Com ela, você deve, por meio de frases soltas, expressões ou palavras, colocar todas as ideias que tem sobre determinado texto. Irão surgir ideias repetidas, desconexas, complementares, relacionadas entre si, etc. Depois disso, você deve selecionar as ideias semelhantes, complementares. Em seguida, deve agrupar as ideias opostas às primeiras ou aquelas que são, à primeira vista (ou não), desconexas. Caberá a você, que domina o tema, fazer essa organização.

Após essa seleção, você deve refletir sobre os argumentos relacionados a eles. Ainda, deve organizar as relações de causa e consequência, de finalidade, de tempo, de oposição. Dessa forma, você conseguirá ter um importante esqueleto de seu texto. Não faz sentido que a organização do texto seja definida ao longo da elaboração dele. Caso isso ocorra, provavelmente, haverá ideias desconexas, ideias a mais e a menos sobre o tema.

No que se refere ao respeito à norma-padrão, use dicionários e manuais de texto. Não se esqueça de que a Língua Portuguesa é instrumento fundamental de seu trabalho. É por meio do dicionário que você poderá verificar, por exemplo, que junto a é locução que significa próximo a. Por conseguinte, é inadequado o uso de interpôs o recurso junto ao tribunal. Além disso, com o uso dos manuais de texto, saberá usar a vírgula corretamente e passará informação adequada: O réu matou a mãe Joana. Nesse caso, passou-se a informação que o réu possuía mais de uma mãe, por conta da ausência de vírgula no aposto explicativo (O réu matou a mãe, Joana).

A importância do uso correto da linguagem

               Frequentemente, usamos a linguagem, seja escrita seja oral (que muitas vezes é acompanhada da corporal). A utilização dessa linguagem evidencia gostos, opiniões, relações com o mundo, emoções, entre vários aspectos. No campo profissional, é imprescindível que a imagem que se negocia com o interlocutor (normalmente, de profissional dedicado e competente) seja coerente à linguagem apresentada.

                Muitas vezes, percebo que operadores do Direito preocupam-se com a vestimenta, com o cartão de visitas, com escritório, mas se esquecem de algo fundamental para o exercício de seu trabalho: a linguagem. Sem ela, não há petição, não há parecer, não há doutrina, não há jurisprudência, não há, em última análise, a ciência jurídica.

                Quando afirmo que é preciso atenção à linguagem, diferentemente do que muitos podem pensar, não significa dominar todas as regras gramaticais. Indica que é fundamental que a ideia seja coerente, clara, objetiva, organizada e, sim, adequada à norma-padrão. Isso, contudo, nada se refere a períodos extensos, uso de palavras difíceis, inversão desnecessária de termos, utilização de adjetivos, entre vários outros vícios presentes em textos jurídicos.

                A utilização de linguagem correta, portanto, é fundamental ao operador do Direito. Cada vez mais, percebo que profissionais do Direito que não dominam a Língua Portuguesa sofrem para atingir os seus objetivos. É imprescindível que o redator (ou orador) busque captar o leitor. Isso só acontece se o texto é fluido, interessante e coerente.

                Nesse sentido, o uso de linguagem correta não se torna importante apenas ao redator, mas também ao leitor. Ela revela, por conseguinte, que o redator preocupa-se com o tempo, com a organização de ideias do leitor. Isso, consequentemente, gera simpatia do leitor e, claro, maior chance de adesão à tese apresentada.

               Ressalto, por fim, que o uso adequado da linguagem favorece também aquele que é o destinatário do objeto do processo. O advogado que falha na informação apresentada, além de prejudicar a si mesmo, afeta o autor da ação. O juiz que não é claro lesa, além dos operadores do Direito ali relacionados, também o cidadão.

                Portanto, é imprescindível que todos reflitam sobre a necessidade de atenção e aprimoramento dos mecanismos da linguagem.

Como fazer endereçamento em petição

          Frequentemente me perguntam sobre como fazer o endereçamento correto em petição. Muitos ainda usam a forma “À Excelentíssima Senhora Juíza Maria Filomena”.

          O Código de Processo Civil de 2015 trouxe, em seu art. 319, inciso I, a determinação de que na petição inicial deve haver a indicação do “juízo a que é dirigida”. No CPC anterior, não havia essa delimitação.

            Percebe-se, portanto, que o legislador inovou com o intuito de não mais haver explicitação do juiz ou da juíza a que é dirigida. Agora, a petição é direcionada ao juízo.

              Dessa forma, o adequado é em primeira instância:

  • Ao Juízo da 4ª Vara Criminal de Campinas.
  • Ao Juízo da Fazenda Pública de Brasília.

             Em relação à segunda instância, usa-se:

  • Ao Juízo do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.

            Quanto ao STJ e ao STF, deve-se usar:

  • Ao Juízo da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça.
  • Ao Juízo da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal.

           Destaco que é usual a caixa-alta e o negrito no endereçamento.

Concordância verbal e o “se”

Saber se o verbo fica no singular ou no plural quando ele está junto ao “se” requer apenas domínio de transitividade do verbo. Quem é meu aluno sabe que normalmente não falo de nomenclatura gramatical. No entanto, em relação a esse tipo de concordância, é preciso compreender alguns aspectos gramaticais. Vou dedicar o texto às possibilidades de índice de indeterminação do sujeito e de partícula apassivadora.

                Quando o verbo é transitivo indireto, intransitivo ou de ligação, está junta ao “se” e não há sujeito relacionado ao verbo, ocorre indeterminação do sujeito. Viu que são três requisitos?

Veja:

O médico se tratou do problema.

             Consegue ver que, apesar de haver verbo transitivo indireto e o “se”, existe sujeito relacionado ao verbo (o médico)? Assim, não há muito o que pensar: como há sujeito, o verbo com ele concorda. É diferente, contudo, disto:

Trata-se de grave problema.

Precisa-se de regras claras.

Cuida-se de recursos especiais.

Foi-se feliz no passado.

Vive-se melhor na praia.

         Agora, não há sujeito relacionado ao verbo. Além disso, há verbo transitivo indireto (nos três primeiros casos), verbo de ligação (quarta frase) e verbo intransitivo (último exemplo), que estão junto ao “se”. Ocorre, portanto, indeterminação do sujeito. O que isso significa? O verbo não pode ser flexionado no plural, já que não há sujeito relacionado a ele. Entende por que as frases 2 e 3 ficaram no singular? Os termos “de regras claras” e “de recursos especiais” não são sujeito, mas complemento do verbo. Ter essa noção sintática traz a clareza para não existir flexão do verbo.

           Quando o verbo transitivo direto e bitransitivo (transitivo direto e indireto) está junto a “se”, acontece processo distinto do mencionado anteriormente. Nesse caso, há sujeito e, por conseguinte, é possível ocorrer flexão do verbo. Viu como é importante ter a noção de sintaxe?

Descobriu-se o segredo.

Resolveram-se os problemas.

Entregaram-se os documentos ao encarregado.

              Nos dois primeiros casos, ocorreu verbo transitivo direto; no segundo, um bitransitivo. Nas últimas sentenças, o verbo foi flexionado porque há sujeito. Sim, os termos “os problemas” e “os documentos” são sujeito na oração em que estão. Assim, como estão no plural, o verbo com eles concorda. As frases estão na voz passiva sintética. O “se” é classificado como partícula apassivadora. As frases podem ser consideradas na voz passiva analítica (“o segredo foi descoberto”, “os problemas foram resolvidos” e “os documentos foram entregues ao encarregado”).

               Ressalto, por fim, frases que acontecem muito na linguagem jurídica:

Publique-se.

Arquivem-se.

Confiram-se os precedentes.

               Nelas, o verbo é transitivo direto. Há voz passiva, portanto. Na segunda e na terceira, o verbo ficou no plural porque o sujeito está no plural (“os autos” e “os precedentes”).

Como utilizar a linguagem adequada em publicações das redes sociais

Este texto não objetiva dar dicas de marketing. A intenção dele é mostrar a você como a linguagem adequada pode melhorar suas publicações nas redes sociais. Por isso, vou apresentar algumas estratégias que podem ser seguidas e alguns erros que devem ser evitados.

  1. Capte seu leitor. Você há de concordar comigo que há muitas informações nas redes sociais. Por isso, para chamar a atenção de seu leitor, busque colocar, na primeira frase, o resumo de sua publicação, se for um grande texto. Caso seja uma publicação pequena, insira palavras que realmente indique a intenção de seu texto.
  2. Evite períodos extensos. Isso não é bom em nenhum texto, quanto mais na rede social, em que seu leitor pode simplesmente pular para uma foto da praia com alguém com pouca roupa. É preferível sempre que, ao escrever, os períodos sejam curtos. O que isso significa? Período com no máximo duas orações (dois verbos).
  3. Preze pela concisão. Por isso, ao apresentar a data e o horário de seu evento, não é necessário escrever “no dia”, basta a data em si. Em vez de “o evento ocorrerá no dia 10/7”, escreva “o evento ocorrerá em 10/7”. Nesse contexto, não use o zero à esquerda em datas e horários. Assim, em vez de “o evento ocorrerá em 07/07, às 07h15, escreva “o evento ocorrerá em 7/7, às 7h15”. Por fim, entre a data e o horário, há vírgula obrigatória.
  4. Tenha paralelismo. Se você usa a terceira pessoa em seus textos (ou seja, você, seu, o, a, lhe), fique atento aos verbos e pronomes. Eles devem acompanhar isso. Por outro lado, se você prefere a segunda pessoa (isto é, tu, te, teu), cuidado para seguir o paralelismo. Por isso, a frase Acesse a tua conta-corrente pelo teu celular está inadequada, já que o verbo acesse está no imperativo de terceira pessoa (na segunda seria acessa) e os pronomes estão em segunda.
  5. Tome cuidado com excesso de adjetivos. É claro que a rede social por ser sua nela cabe sua opinião. No entanto, o excesso de adjetivos torna o texto passional, o que muitas vezes traz prejuízo para a credibilidade da informação. Reflita também que o fato de determinado tema estar em sua rede social (em detrimento de outra) já evidencia um posicionamento. Por isso, o uso demasiado de adjetivos, muitas vezes, torna-se desnecessário.

Uso de maiúsculas

É muito importante que todo redator tenha consciência de que a maiúscula tem de ser exceção no texto. Ela, em excesso, polui o texto, agride o leitor. Apesar disso, é muito comum ainda haver o uso descontrolado de maiúsculas. Assim, sempre que pensar em usá-la, questione o motivo gramatical para isso. Abaixo, apresento as principais causas que justificam o uso da maiúscula.

  1. Título e subtítulo: ela tanto pode ser usada apenas na primeira letra da sentença ou em todas as palavras, exceto em preposições e conjunções.

Da prescrição

Relativização da Taxa Juros no Brasil

2. Aposto especificativo: nome dado a evento, obra, pessoa, etc. A regra apresentada no item 1 também se aplica aqui, exceto para nome de pessoa.

Participou do Encontro Nacional de Combate à Corrupção.

O Ministro aposentado Ayres Britto proferiu palestra.

3. Normas (quando especificadas ou quando identificadas como nome próprio):

A Lei n. (ou nº) 8.112/1990 dispõe […].

A Emenda Constitucional n. (ou nº) 32 estabelece […]

A Lei Maria da Penha é importante.

4. Festas e datas comemorativas:

Natal, Dia do Advogado, Independência do Brasil.

5. Siglas e abreviaturas:

STJ, V. Exa., Sr.

6. Tribunal e Juízo (quando especificado ou delimitado pelo contexto):

O Tribunal de origem decidiu que […]

O STF não conheceu do pedido. O Tribunal entendeu que […]

Juízo a quo.

7. Nome de instituições:

O Sistema Único de Saúde é excelente organização de auxílio populacional.

8. Depois de dois-pontos, caso o período se encerre com ponto-final, e não com ponto e vírgula:

O autor deve atentar para as seguintes questões:

a) Caso queira […].

9. Nomes pelos quais as leis tornam-se conhecidas:

Código Civil, Código Eleitoral,

10. Estado, como nação politicamente organizada, bem como unidade federativa seguida do nome:

Cabe ao Estado definir a melhor proposta.

O Estado de São Paulo.

                A última observação também vale para município. Ressalte-se que, caso já tenha sido especificado, ao mencionar novamente as palavras estado e município, prefere-se a inicial minúscula caso não estejam seguidas do nome: Referido estado não pagou sua dívida.

Casos facultativos:

  1. Ciências do saber: Matemática ou matemática; Direito ou direito.
  2. Partes do processo: O recorrente ou O Recorrente.
  3. Palavras de categorização: Rio Amazonas ou rio Amazonas.

Ressalto que, nesse último caso, recomendo a minúscula. 

Como grafar horas

Muita gente ainda não faz a grafia adequada de hora. Por isso, seguem as regras:


a) O símbolo de hora é h, o de minuto min, o de segundo s. Os símbolos n acompanham ponto nem s de plural. Esses símbolos são utilizados para designar horas quebradas, os quais devem ser escritos sem espaço.
– A sessão da Corte Especial começa às 14h30.
– Assim, não se pode grafar hora desta maneira: 14hr; 14hrs; 14:00


b) O uso de min é opcional, se não houver segundos.
– O bebê nasceu às 14h30min10s ou O bebê nasceu às 14h30min10


c) Em horas exatas, é preferível a forma não reduzida. Ainda, não se utiliza o zero antes do numeral.
– Saí às 7 horas (e não às 07h)


d) Não se usam algarismos para registrar duração, tempo decorrido. A mesma regra se aplica a dias, meses e anos.
– O julgamento durou três horas e trinta minutos.
– O réu ficou preso por nove anos e sete meses.

Quando usar os pronomes “o/a” e “lhe”

Os pronomes oblíquos “o/a” e “lhe” são usados como complemento. O que isso significa? Eles são utilizados para complementar verbo ou substantivo. Fazemos o uso desses pronomes, principalmente, para evitar a repetição de palavras no texto.


Pronomes “o/a”


Os pronomes “o/a” são relacionados ao verbo transitivo direto. Calma! Não precisa desesperar-se. Verbo transitivo direto é aquele que pede complemento sem uso de preposição. Assim, “disponibilizar”, “contratar”, “fazer”, por exemplo, são verbos transitivos diretos. Com isso, quando se deseja substituir um substantivo por um pronome, pode-se utilizar “o/a”.


Não houve assinatura do contrato. Precisaremos disponibilizá-lo amanhã.
Veja que o pronome “o” refere-se a “disponibilizar”. Repare que, como o verbo termina em “r”, o pronome “o” transforma-se em “lo”. Verbos terminados em “r”, “s” ou “z” quando se unem aos pronomes “o/a” perdem a consoante e transformam os pronomes em “lo/la”.

O advogado faltou à sessão. Você sabe como o informaremos do ocorrido?
Viu como o pronome “o” completa “informaremos” e se refere a “advogado”?

Pronome “lhe”


Agora que você já sabe usar os pronomes “o/a”, ficará fácil compreender o pronome “lhe”. Quando completa verbo, ele se liga a verbo transitivo indireto. (É aquele verbo que pede complemento com preposição.) Quando completa nome, ele se liga a substantivo ou a adjetivo.


Joaquim pediu a nova resolução. Não lhe enviarei hoje.

O pronome “lhe” substituiu “nova redação” e completou o verbo “entregar”,
empregado como transitivo indireto.


Prezado servidor, espero que o curso lhe seja bastante útil.

O pronome “lhe” fez referência a “servidor” e completou o adjetivo “útil” (algo é útil a alguém).

5 livros para você ler e ampliar seu vocabulário

No meu Instagram e no canal do Youtube, sairá nesta semana um vídeo que fiz sobre como ampliar o vocabulário. Por isso, resolvi comentar aqui cinco livros que podem favorecer a melhoria do vocabulário e consequentemente dos textos. A ordem em que eles serão listados não significa predileção ou algo do tipo; apenas foi a ordem em que os tirei da prateleira.

1)    Hitler, de Ian Kershaw

Lançado em 2010, a biografia mais completa de Hitler é extremamente bem escrito e organizado. A obra retrata a infância, a adolescência e a vida adulta de Hitler. Inicialmente, Ian Kershaw havia elaborado duas obras (publicadas em 1998 e 2000), com muitas notas e referências destinadas, principalmente, ao público acadêmico. Talvez por todo esse cuidado, o livro de 2010, mais enxuto, consiga manter excelente narrativa. O autor preocupa-se em trazer dados históricos para fundamentar e revelar os comportamentos de Hitler.

2)    Lima Barreto: triste visionáriode Lilia Schwarcz

Outra obra que mescla vida pessoal com aspectos históricos. A autora é socióloga e já escreveu diversos livros. Talvez por isso ela apresente tamanha precisão ao relatar a vida de Lima Barreto, envolta tão bem em eventos históricos. O texto é fluido. A organização de parágrafos e de períodos é muito boa. As palavras são muito bem colocadas. Vale a pena a leitura!

3)    Comunicação em prosa moderna, de Othon Garcia

Sei que talvez você vire os olhos por eu ter indicado um livro que não é uma narração. No entanto, é livro fundamental para qualquer pessoa que trabalha com texto. A leitura dessa obra, há mais de 12 anos, mudou muito minha maneira de enxergar o texto. Com essa obra, pude, além de aumentar o vocabulário, compreender os mecanismos do texto. É obra imprescindível!

4)    Baú de Espantos, de Mario Quintana

Por serem poemas, é necessário ao leitor maior atenção aos detalhes, às palavras, à construção da frase. Com isso, será importante que palavras desconhecidas deixem de sê-lo. São poemas diversos, que tratam do dia a dia, de maneira bastante lírica. Há sentimentos de amor, de saudade, de alegria, de tristeza, todos vindos do baú.

5)  Cultura e Política, de Roberto Schwarz

Dos livros listados aqui, trata-se do menor. São apenas 187 páginas. Não obstante, é obra com tanta informação importante, que merece mais de uma leitura. Schwarz faz ampla crítica à literatura, à cultura e à política brasileira. As ideias construídas na obra são até hoje debatidas na academia. São 6 artigos, apresentados com muita profundidade de análise, com vocabulário acessível, mas formal.

Concordância nominal: 1ª e 2ª Turma

Você sabe fazer a concordância com substantivo e numeral ordinal? Muitos alunos e alunas ficam na dúvida! No texto jurídico, é importante ter atenção a isso.

               Há três possibilidades:

1)     Fecharam-se a 1ª e a 2ª Turma.

2)     Fecharam-se a 1ª e 2ª Turma.

3)     Fecharam-se a 1ª e 2ª Turmas.

Veja que a flexão do substantivo (turmas) só é possível quando não há artigo antes do numeral. Além disso, é opcional usar o artigo definido antes do numeral. Outro aspecto importante é que o artigo fica sempre no singular, o que invalida a sentença Não obteve aprovação nas primeira e segunda instâncias.

Por fim, caso o substantivo esteja anteposto ao numeral, é preferível a flexão: As cláusulas segunda, quinta e sétima.

Como abreviar corretamente

A abreviatura é a escrita reduzida de uma palavra ou locução. Pode ser formada pela combinação de consoantes, pela combinação de letras finais ou pelo corte da palavra. Exemplos: profa. (professora), biol. (biologia).

As abreviaturas são seguidas de ponto-final. Além disso, em regra, deve-se terminar a abreviatura em consoante, não em vogal: rel. (relator), ac. (acórdão). Ainda, há casos em que a supressão se dá no meio da palavra, situação em que a última letra (consoante ou vogal) encerrará a abreviatura: V. Exa. (Vossa Excelência), pe. (padre).

As abreviaturas exigem, em geral, fazem o plural com o acréscimo de sarts. (artigos); códs. (códigos); docs. (documentos). 

As abreviaturas das formas pronominais de tratamento devem ser grafadas com inicial maiúscula: V. Exa.; Sr. JoséSra. MariaDra. Carla. Se houver indicação de plural, apenas o segundo elemento se flexiona: V. Exas., V. Sas.

As abreviaturas de vias, lugares públicos e palavras usadas em endereçamentos são escritas com iniciais maiúsculas: Ap. (apartamento), Av. (avenida), Q. (quadra), Bl. (bloco), R.(rua).

Não se abreviam nomes geográficos: São Paulo (e não S. Paulo); Rio de Janeiro (e não R. de Janeiro); Campo Grande (e não C. Grande). Ressalto que é possível uso da sigla dos estados da federação (RJ, SP, etc.).

Em relação a meses, de acordo com a norma ABNT 6.023, não se abrevia maio. Os outros meses são abreviados depois da terceira letra: jan.; fev.mar.abr.

Em caso de dúvida, pode ser consultada a lista de reduções do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa – Volp (www.academia.org.br/nossa-lingua/reducoes).

*Informações retiras, em parte, do Manual de Padronização de Textos do STJ, 2016.

Como estruturar cláusulas de contrato

A elaboração de contrato requer organização de ideias e dos requisitos que o fundamentam. Por não haver norma que defina qual é a estruturação do contrato, busquei em vários manuais de Língua Portuguesa a melhor maneira de dispor as cláusulas de um contrato.

As cláusulas (em negrito e em caixa-alta, com numerais ordinais por extenso) dividem-se em incisos, que, por sua vez, são subdivididos em alíneas (letras minúsculas seguidas de parêntese).

A cláusula corresponde a uma regra. Os incisos são itens que podem surgir dessa regra. Desses itens pode haver subitens, que são dispostos em alíneas. A lógica, portanto, é a mesma para elaboração de normas (LC n. 95/1997 e Decreto n. 9.191/2017).

Deve-se reservar assunto específico para cada cláusula. Ou seja, não se deve apresentar mais de uma informação por cláusula. Caso haja disposição acessória (complementação, restrição ou especificação da ideia exposta na cláusula), deve-se abrir parágrafo e seguir as regras da técnica legislativa: usa-se o símbolo §, seguido do numeral ordinal até o nono; a partir do dez, usa-se número cardinal, seguido de ponto. Se for apenas um parágrafo, utiliza-se a expressão parágrafo único. Ressalte-se que, em razão da grafia por extenso, a numeração das cláusulas é sempre ordinal, diferentemente do que ocorre com parágrafos.

Logo após a numeração da cláusula, na mesma linha, introduz-se o texto por travessão. Inicia-se com letra maiúscula e encerra-se com ponto-final. A mesma lógica ocorre com parágrafos. Incisos, por sua vez, são iniciados com letra minúscula e são encerrados com ponto e vírgula, com ponto-final (se for o último) ou com dois-pontos (quando se desdobrar em alínea). As alíneas seguem semelhante organização.

Veja abaixo exemplo:

CLÁUSULA TERCEIRA – O contratante é responsável por:

I – apresentar os documentos mencionados no § 5º da cláusula segunda;

II – organizar reuniões;

III – elaborar relatórios.

Como elaborar um bom texto jurídico

É claro que existem diversos gêneros textuais que podem ser elaborados dentro do contexto jurídico, isto é, podem ser criados contratos, decisões, despachos, petições, entre vários outros.

A maior parte, no entanto, dos textos jurídicos referem-se à tipologia argumentativa. Por isso, irei destacar cinco dicas que podem ajudar na elaboração de textos jurídicos argumentativos. 

  1. O primeiro aspecto a ser destacado diz respeito à organização do parágrafo. É imprescindível que o parágrafo não seja extenso. Por isso, sugiro a meus alunos que façam, em média, de dois a quatro períodos por parágrafo. É claro que isso não é regra fechada e acabada. No entanto, é um bom parâmetro.
  2. Decorrência lógica da dica anterior consiste na não construção de um parágrafo em um período apenas (seja longo seja curto). Todo parágrafo tem de conter um tópico frasal e dele surgirem ideias secundárias (isto é, exemplos e explicações). Assim, é interessante para o leitor ser, desde o início do parágrafo, direcionado quanto às informações. O uso de tópico frasal é fundamental para isso.
  3. Não se devem usar destaques em excesso. É importante que o leitor perceba a hierarquização das informações. Não pode haver uso de negrito, sublinhado, caixa-alta, cor de realce no texto (normalmente em amarelo), concomitantemente ou não. A ABNT e vários manuais recomendam o uso apenas do negrito para conferir destaque a palavra ou expressão. 
  4. Não é possível – exceto se se tratar de discurso ou de texto oral em tribunal do júri – o uso de frases exclamativas. A paixão, a emoção, não convence. Diferentemente, o uso de argumentos consistentes, concatenados e expostos de maneira clara e objetiva leva o leitor ao convencimento.
  5. O texto jurídico não requer linguagem rebuscada. Prefira, sempre, a linguagem acessível. Por que dizer “ergástulo” se é possível dizer “prisão”? Por que dizer “em juízo perfunctório” se é possível dizer “em juízo preliminar”. Não se pode confundir simplicidade com empobrecimento de estilo.     

Atrás x trás x traz

Pode parecer dúvida incomum, mas já vi acontecer várias vezes erro na grafia de trás e traz. Equívocos como esses comprometem mais a credibilidade do texto porque são erros de grafia. Por isso, fique atento e atenta! Português Jurídico também é isso!

Atrás é advérbio que pode significar “detrás”, “em posição anterior ou inferior”, “após”, “depois”, “anteriormente”:

A árvore fica atrás da casa.

O atleta de gostamos chegou muito atrás.

Correu atrás do fugitivo.

Um ano atrás estávamos na festa de Clotilde.

Atrás tem como antônimos possíveis adiante, a seguir, depois.

Por sua vez, trás é também advérbio e significa “em posição posterior; atrás; detrás” e “depois de”. Viu, então, que atrás e trás são sinônimos?

Ele chegou por trás, o que fez a mulher levar um susto.

Não fique para trás; estude!

Por fim, traz é conjugação da 3ª pessoa do verbo trazer, no modo indicativo; designa também a segunda pessoa do imperativo (traz tu) É sinônimo de “transportar”, “oferecer”, “usar”, “causar”, “apresentar”, etc.:

Traz minhas roupas.

Traz um xale para a avó.

Traz um lenço na cabeça.

Essa atitude traz graves consequências.

O acidentado traz várias contusões.

Haver e A ver

Em textos jurídicos, é comum essas duas expressões ocorrerem. Por isso, é importante conhecer e dominar o uso delas. 

O verbo haver é comumente utilizado com o sentido de existir, ocorrer e acontecer e com a acepção de tempo decorrido.

Havia [existiam] pessoas nervosas na sala.

Houve [ocorreram] manifestações contrárias ao senador.

Houve [aconteceu] grave acidente na pista.

Há [faz] doze anos estive naquele local.

 Há, entre outros, o uso como verbo auxiliar:

Ninguém havia pensado nessa solução.

Já a forma a ver corresponde a uma preposição (a) seguida de um verbo (ver). Para aparecerem juntos, são estas as possibilidades:

Estamos a ver pessoas intransigentes no poder.

Isso não tem nada a ver com o assunto.

No primeiro caso, há locução verbal, não usual no Brasil, que designa o gerúndio (ação em curso). No segundo, ocorre construção que indica não apresentar relação com.

Como obter concisão no texto

Concisão é a habilidade de dizer o máximo com o menor número de palavras. Devem-se eliminar palavras, mas devem ser mantidas as ideias necessárias para a compreensão do texto. Seguem alguns procedimentos para redigir textos concisos (apud Manual de Redação Oficial do TCDF):

a) eliminar palavras ou expressões desnecessárias: ato de natureza hostil → ato hostil; decisão tomada no âmbito da diretoria → decisão da diretoria; pessoa sem discrição → pessoa indiscreta; neste momento nós acreditamos → acreditamos; travar uma discussão → discutir; na eventualidade de → se; com o objetivo de → para;

b) evitar o emprego de adjetivação excessiva: o difícil e alarmante problema da seca → o problema da seca. Inclui-se nesse caso o uso de egrégio, colendo, eminente, ilustre;

c) dispensar, nas datas, os substantivos dia, mês e ano: no dia 12 de janeiro → em 12 de janeiro; no mês de fevereiro → em fevereiro; no ano de 2000 → em 2000;

d) trocar a locução verbo + substantivo pelo verbo: fazer uma viagem → viajar; fazer uma redação → redigir; pôr as ideias em ordem → ordenar as ideias; pôr moedas em circulação → emitir moedas;

e) usar o aposto em lugar da oração adjetiva: O contrato previa a construção da ponte em um ano, que era prazo mais do que suficiente → O contrato previa a construção da ponte em um ano, prazo mais do que suficiente. O que se tem é a anarquia, que é a bagunça pura e simples, irmã gêmea do caos → O que se tem é a anarquia, bagunça pura e simples, irmã gêmea do caos;

f) empregar o particípio do verbo para reduzir orações: Agora que expliquei o título, passo a escrever o texto → Explicado o título, passo a escrever o texto. Depois de terminar o trabalho, ligo para você → Terminado o trabalho, ligo para você. Quando terminar o preâmbulo, passarei ao assunto principal → Terminado o preâmbulo, passarei ao assunto principal;

g) eliminar, sempre que possível, os indefinidos um uma: Dante quer (um) inquérito rigoroso e rápido. Timor-Leste se torna (uma) terra de ninguém. A cultura da paz é (uma) iniciativa coletiva.

Estratégias para atingir a objetividade no texto jurídico

Muitos alunos me procuram para descobrir como podem apresentar textos mais objetivos. Cada vez mais, não cabem os textos extensos, prolixos, cansativos. É preciso que o redator fique atento à objetividade a fim de captar a atenção do leitor. A linguagem objetiva não admite:

a) palavras ou expressões subjetivas, amplas ou genéricas: A sala era espaçosa → A sala tinha 50m²; A mãe do autor é uma simples feirante, ao passo que ele tem boa condição financeira → A mãe do autor recebe R$ 500,00 (quinhentos reais), ao passo que ele, R$ 18.000,00 (dezoito mil reais). Nesse sentido, deve-se evitar o uso da palavra coisa: As coisas mudam de figura → Com isso, a situação muda;

b) uso indiscriminado de destaques no texto. Normalmente, usa-se: negrito para destacar; negrito em títulos e subtítulos; itálico em palavras ou expressões estrangeiras e empregadas no contexto conotativo; caixa-alta apenas para identificação inicial das partes, bem como para as palavras contratante contratado (sem negrito, itálico e aspas), em contratos;

b) uso indiscriminado de destaques no texto. Normalmente, usa-se: negrito para destacar; negrito em títulos e subtítulos; itálico em palavras ou expressões estrangeiras e empregadas no contexto conotativo; caixa-alta apenas para identificação inicial das partes, bem como para as palavras contratante contratado (sem negrito, itálico e aspas), em contratos;

c) linguagem literária e citações literárias: eram por volta das 20 horas do dia 8 de maio de 2000. A lua, com sua luz de prata, lançava sua força sobre os transeuntes;Na esquina da rua 15, Daguaberto, olhando para os carros, não percebeu a serpente (disfarçada de mulher) que se aproximava. Ainda: Essa é a lição já conhecida, como atesta Camões: “Mas um velho […]”;

d) palavras que evidenciam insegurança e subjetividade. Devem ser evitadas expressões como: achosalvo melhor juízo;

e) alteração de ânimo, com uso de sentenças exclamativas. Convence-se o leitor com argumentação lógica, coerente e segura: Não serão anuladas as duas avaliações feitas pelo recorrente! Isso mesmo! Jamais serão apagadas! → Não serão anuladas as duas avaliações feitas pelo recorrente;

f) prolixidade (uso excessivo de palavras): Neste ponto de enfrentamento do tema, a primeira coisa a dizer é que o recorrente e os interessados não podem discutir o valor → O recorrente e os interessados não podem discutir o valor; O Tribunal de origem não conheceu do recurso. Fê-lo, não obstante, com a afirmação de que o argumento era adequado a outro caso → O Tribunal de origem não conheceu do recurso. Afirmou, não obstante, que o argumento era adequado a outro caso; O consumo de álcool faz mal à saúde porque prejudica o organismo → O consumo de álcool faz mal à saúde;

g) marcadores discursivos que não apresentam função no texto, como explica-se; ora bem; prossigo; não é tudo; pois bem; senão vejamos.

Online, on-line ou on line?

Talvez a palavra que mais tenha sido escrita neste ano seja esta: on-line, online e on line.  A dúvida, então, vem em como grafar corretamente essa palavra.

Em razão de todas as mudanças por que passamos, que foram intensificadas por causa da pandemia da covid-19, referida palavra passou a fazer parte da realidade de muitas pessoas, inclusive no meio jurídico.

Por outro lado, alguns dicionários da língua inglesa apresentam a palavra grafada como online. Como a palavra não é da Língua Portuguesa, há respaldo, portanto, para seguirmos essa linha.

Em textos oficiais e formais no Brasil, prefiro registrar a forma on-line por ser a indicação do Volp, apesar de haver, como ressaltado, outra possibilidade. Ressalto que, como se trata de palavra estrangeira, é preciso usar o itálico (preferencialmente) ou as aspas.

Por fim, destaco que não há respaldo para a grafia on line

Português jurídico também é isso! 

Esse X este

Se você fica na dúvida ao utilizar este ou esse, é preciso conhecer as funções e os usos dos pronomes demonstrativos (este, esta, isto, esse, essa, isso, aquele, aquela e aquilo):

  1. Função textual: anáfora e catáfora 

Anáfora: referência a ideia já citada. Usam-se os pronomes esse, essa e isso

A democracia foi prejudicada. Esse sistema político não pode sofrer interferência

Catáfora: referência a ideia que ainda será mencionada. Usam-se os pronomes este, esta e isto. 

Vejam-se estes precedentes: REsp n. 1.233.456/RJ e AREsp n. 840.568/SP

  1. Função referencial: localização no espaço. 

Este (e variações) – perto do locutor; esse (e variações) – perto do interlocutor; aquele (e variações) – longe do locutor e do interlocutor. 

Exemplos: 

A mesa está nesta sala (na sala em que se está falando). 

Este é o país que temos (o país em que o locutor está). 

Essa lâmpada deve ficar acesa (a lâmpada está longe do locutor e perto do interlocutor). 

Aquele documento precisa ser corrigido (documento que está longe do locutor e do interlocutor). 

Senhor Presidente, solicito-lhe que esse órgão pague as despesas da transferência do servidor (quem pagará as despesas será o órgão do interlocutor da mensagem, o presidente). 

Senhor Presidente, comunico-lhe que este órgão pagará as despesas da transferência do servidor (quem pagará as despesas será o órgão do emissor da mensagem). 

Solicito que essa Corte julgue a matéria (a Corte que julgará a matéria será a que recebe o recurso). 

  1. Função distributiva: referência a dois termos anteriormente mencionados. 

Este (e variações) – referência ao último termo mencionado; aquele (e variações) – referência ao primeiro termo mencionado. 

As Ministras Nancy Andrighi e Laurita Vaz irão à palestra. Esta fará a abertura; aquela, o encerramento

Se houver mais de dois referentes, é preferível fazer uso de outra estratégia coesiva.

Os Ministros João Otávio de Noronha, Marco Buzzi e Francisco Falcão não vieram à sessão. O primeiro porque viajou; o segundo devido a problemas de saúde; e o terceiro porquanto representou o Tribunal em outro país

  1. Função temporal: este (e variações) – indica presente; esse (e variações) – passado ou futuro pouco distante; aquele (e variações) – passado vago ou remoto. 

Esta época é muito seca

Nesse ano que passou, os problemas da empresa aumentaram

Nesse ano que virá, há expectativas de que a situação econômica melhore

Naquele tempo, a Constituição não era respeitada.

Por ora X por hora

Você fica na dúvida ao escrever por hora ou por ora? Pensando nisso, resolvi compartilhar com vocês o uso apropriado de cada uma dessas formas. Português Jurídico também é isso!

Por ora significa por enquanto, por agora:

Por ora, comprarei este material.

Não indicará o assessor por ora.

Por hora significa a cada hora, período compreendido em sessenta minutos:

Redigia três documentos por hora.

O valor cobrado por hora é exorbitante.

Onde x Aonde

Na redação jurídica, ainda há muita referência a onde e aonde. Por isso, é preciso atenção ao uso correto desses termos. Português jurídico também é isso!

O onde desempenha normalmente a função de adjunto adverbial (o lugar em que, no qual). 

Passava pelo caminho onde adquiriu confiança

Ainda não sei onde poderei estudar

O onde, como pronome relativo, de acordo com a norma-padrão, tem como referente lugar: 

O apartamento onde moro é pequeno

A cidade onde vivo receberá investimentos federais.

O advogado confia no Tribunal de origem, onde há bons juízes

Desse modo, não encontram respaldo gramatical construções como estas, nas quais o referente não é lugar: Falava com os homens onde depositava confiança; O advogado não concordou com as fases da investigação, onde foram feitas escutas telefônicas

Portanto, nesses últimos exemplos, deve-se substituir o onde por em que ou por no(a/s) qual(is): Falava com os homens em que/nos quais depositava confiança; O advogado não concordou com as fases da investigação, em que/nas quais foram feitas escutas telefônicas. 

É importante, ainda, que façamos a distinção entre o aonde e o onde. Apesar de ocorrer de maneira indistinta atualmente, é preciso que, em textos formais, seja respeitada a adequada utilização desses termos.  Deve-se utilizar o termo aonde com referência a lugar e quando houver exigência da preposição a

Aonde você quer chegar? (Veja que se chega a algum lugar.) 

Eu sei aonde queres ir. (Veja que queres ir a algum lugar.) Não sei onde você o encontrou. (Nesse caso, o verbo encontrar não exige preposição a, motivo pelo qual não se utiliza o termo aonde, mas sim onde.)

“De mais x demais”

Na redação jurídica, pode ser que você tenha de redigir estruturas em que haja de mais e demais. Por ser texto formal, não há espaço para erro.

De mais
pode ser utilizado nestas acepções:

  • Capaz de causar estranheza; anormal (como locução adjetiva, modifica substantivo): Não vejo nada de mais em o réu ficar sem algemas.
  • Excesso, quantidade ou medida maior (como locução adjetiva, modifica substantivo): Comprou camisas de mais e sapatos de menos.

No último sentido, pode ser substituído por a mais.

Demais pode ser utilizado nestes contextos:

  • Em demasia, em excesso (como advérbio): É hora de ir, já está tarde demais.
  • De maneira muito intensa (como advérbio): O promotor fingiu demais não ter ficado chateado.
  • Os outros, os restantes (como pronome indefinido): Os demais poderão ficar sentados.

Como eu sempre digo aos meus alunos e alunas, isso também é Português Jurídico!

Diferença entre “sob” e “sobre”

Você sabe a diferença entre “sob” e “sobre”? Na redação jurídica, é importante não confundir esses termos.

SOBRE é preposição e pode indicar:

a)     “Acima de”, “em cima de”:  O processo está sobre a mesa.

b)     “Ao longo de”, “na extensão de”: Sobre o asfalto quente, viam-se pedintes por todos os lados.

c)     “Por meio de”: Adquiriu o carro sobre empréstimo.

d)     “A respeito de”: Falaram sobre o concurso.

SOB também é preposição e pode significar:

a)     “De baixo de”: O processo está sob a mesa.

b)     “Proteção”: Vivia sob a luz divina.

c)     No tempo de”: O fato ocorreu sob o regime militar.

d)     “dependência”: sob pena de, sob a direção de, sob medida.

Saiba que português jurídico também é isso! É imprescindível desenvolver-se linguisticamente!

Se não X senão

Algo muito utilizado em texto jurídico é senão e se não. Vejo que muitos ainda têm dúvidas sobre isso.

Senão apresenta os seguintes usos:

a)    pode ser empregado como conjunção adversativa (equivalente a mas, mas sim): Não era permitida a sua permanência, senão [mas] sua visita;

b)    pode significar do contrário, de outro modo: Não vá por esta rua, senão [do contrário]
encontrará bandidos
;

c)    pode ainda ser utilizado como preposição, na acepção de salvo, excetoNinguém me cumprimentou, senão [exceto] minha mãe.

    Por sua vez, se não é a conjunção se junto ao advérbio não e deve ser usado para introduzir oração condicional:

      Se não agir conforme as instruções médicas, você terá sequelas.

     Nessa hipótese, o se pode ser substituído por caso, fazendo-se os ajustes no verbo da oração subordinada (caso não haja conforme as instruções médicas, você terá sequelas).

Ficou claro? Português jurídico também é isso! 

Paralelismo sintático

Tema pouco debatido ainda em manuais e livros, o paralelismo sintático corresponde à organização da sentença, de modo que as estruturas coordenadas tenham a mesma estruturação. Essa organização pode referir-se à regência mas também ao nível oracional. Na redação jurídica, é importante que haja atenção a isso. 

Para quem quiser se aprofundar no tema, Othon Garcia (Comunicação em Prosa Moderna, 26º edição, 2002) trata de alguns aspectos. 

Veja alguns exemplos:

  1. Analisou o pedido e como os jovens devem comportar-se.

Há dois complementos ao verbo “analisar”: “o pedido” e “como os jovens devem comportar-se”. Repare que não ocorre mesma organização entre eles, isto é, em um há apenas substantivo e em outro há complemento oracional. Logo, não houve paralelismo sintático. Uma das possibilidades é a transformação do complemento oracional em nominal: Analisou o pedido e o comportamento dos jovens. 

  1. Vivo para te amar e para que seja feliz.

Ocorrem duas orações que estão coordenadas entre si. No entanto, elas não seguem a mesma estrutura: uma é reduzida a outra é desenvolvida. Por isso, é preciso que haja correção. Uma das possibilidades é esta: Vivo para amá-lo e para fazê-lo feliz. Agora, há duas orações reduzidas. 

  1. Amo e obedeço aos pais.

O verbo “amar” é transitivo direto; “obedecer” é transitivo indireto. Logo, o termo “aos pais” só pode servir de complemento ao último verbo. Por isso, não ocorreu paralelismo sintático. Uma forma possível é esta: Amo os pais e lhes obedeço. Agora, os dois verbos apresentam complementos coerentes à respectiva transitividade.

  1. O juiz sempre foi correto, justo e teve disposição

Há coordenação de dois adjetivos e uma oração. Não houve paralelismo sintático, portanto. Uma forma possível de correção é o uso de três adjetivos: O juiz sempre foi correto, justo e disponível. 

  1. Requer o julgamento rápido e que o pedido seja atendido.

A organização da frase é bastante comum. No entanto, não há paralelismo entre as orações, já que um complemento é na forma de nome e outro de oração. Assim, uma possibilidade é o uso de duas orações: requer que o julgamento seja rápido e que o pedido seja atendido.

Portanto, tenha sempre atenção à organização das frases. Quando houver coordenação de termos, observe se há respeito à similaridade de estruturas. O estudo do Português Jurídico também envolve esse tema! 

10 erros mais comuns no texto jurídico

Na semana passada, ministrei palestra on-line para os membros, servidores e demais colaboradores do Ministério Público do Estado do Paraná. Inspirado nas perguntas enviadas e nas dúvidas frequentes de meus alunos e minhas alunas, vou apresentar-lhes os dez principais erros cometidos nos textos jurídicos.

1)“Residente à rua”

Muitas pessoas consideram que o uso adequado da preposição com a palavra “residente” é a preposição “a”, e não “em”. Por isso, escrevem “Fulano de tal, residente À rua X”, quando o correto seria “Fulano de tal, residente NA rua X”.

2) “Junto ao Tribunal”

Muitos usam “junto a” no lugar da preposição “em”. Assim, escrevem “interpôs o recurso junto ao Tribunal” ou “resolveu a questão junto ao Procon”. No entanto, “junto a” (ou “junto de”) só pode ser utilizado quando indicar “na proximidade de”. Por isso, o correto é “interpôs o recurso no Tribunal” ou “resolveu a questão no Procon”.

3) “Ajuizar recurso”

Muitos ainda fazem o uso do verbo “ajuizar” quando se trata de recurso. O adequado, contudo, é “interpor”.

4) “E. Tribunal”

Talvez por comodidade ou por sempre ser bastante comum, muitos operadores do Direito simplesmente reproduzem o uso do adjetivo “egrégio” antes de substantivos como “tribunal” ou designativos de outros órgãos. Uso semelhante também ocorre com “colendo” antes de “STF”. Esses adjetivos, na maior parte das vezes, aparecem abreviados. Esse ato só evidencia que se trata de uso desnecessário, que não revela, de fato, a deferência almejada. Nós já passamos do momento em que adjetivar era recurso necessário para ser atendido. A ausência deles de forma nenhuma configura desrespeito, pedantismo, ou algo semelhante. É preciso, cada vez mais, evoluir para uma linguagem jurídica impessoal, objetiva e concisa. 

5) “vem respeitosamente”

Na mesma linha do item anterior, é bastante comum ver o uso de “respeitosamente” no início da petição. Por que se enfatizar que há respeito ao ajuizar ação, por exemplo, se, em regra, esse ato ocorre com respeito? Ou ainda: é desrespeitoso o ato de interpor um recurso, por exemplo? Como eu disse, o uso de adjetivos ou desse advérbio (“respeitosamente”) ocorre por repetição de modelos. É preciso que reflitamos sobre a eficiência (e necessidade) desses termos.

6) “Essa Corte”

Para fazer referência à corte em que se está, o adequado é o pronome “esta”, já que ele é utilizado quando se deseja referenciar elemento que está próximo do locutor.

7) “Interpor recurso em face de Fulano”

Apesar de muito comum, não está dicionarizada a locução “em face de” no sentido de “contra”, apenas na acepção de “em razão de”. Por conseguinte, o adequado é “interpor recurso CONTRA Fulano”.

8) “08/05/2019”

É ainda muito usual ver o zero à esquerda em datas. No entanto, trata-se de termo desnecessário e, de acordo com os manuais, errado, portanto. Por isso, o adequado é: 8/5/2019.

9) Sobreposição de destaque

Infelizmente, ainda observamos textos que são apresentados com negrito, itálico, sublinhado, destaque em cor. Com isso, todavia, o leitor não consegue hierarquizar informações e, consequentemente, não percebe a informação mais relevante. Assim, de acordo com os manuais e com a ABNT, deve-usar apenas o negrito no texto para destaque.

10) Itálico em citações

É muito comum, em textos jurídicos, o uso de itálico em citações com mais de três linhas, as quais ficam deslocadas, com recuo. A ABNT indica o recuo e o uso de fonte menor que a do texto como forma de sinalizar ao leitor que a citação se refere a texto de terceiro. Portanto, usar o itálico é recurso em excesso (e desnecessário), visto que já existem dois instrumentos para sinalizar o início e término da citação.  

10 expressões inadequadas no texto jurídico

  1. Salvo melhor juízo/ data venia 

É bastante comum a expressão salvo melhor juízo para evidenciar que pode haver entendimento contrário ao apresentado. No entanto, em contextos em que haja argumentação, é mais do que natural haver divergência. Por isso, utilizar referida expressão, em verdade, enfraquece a argumentação desenvolvida. 

Em relação a data venia (que é expressão latina e, portanto, não pode ser acompanhada de acentuação), diversos redatores a usam como maneira de evidenciar respeito por aquele que será contestado. Mais uma vez, é comum divergência no contexto jurídico. Ainda, o uso de data venia não impede que ocorra argumentação descortês. Portanto, é expressão completamente desnecessária.

  1. Colendo STF/ o MM Juiz

Se você usa “colendo Supremo Tribunal Federal”, já percebeu que referido tribunal já tem um adjetivo no nome? Sim, “supremo” é adjetivo que destaca que se trata da Corte que está acima de todas. Por que, então, fazer uso desse adjetivo? Por que querer adjetivar o julgador, como em “MM Juiz” (que significa “meritíssimo juiz”)? Será que a decisão será mais bem analisada se houver o emprego do adjetivo? Ainda: a ausência do adjetivo irá configurar desrespeito? 

Como sempre comento com meus alunos e alunas: nós não estamos mais nos tempos em que era preciso bajular o interlocutor para ser atendido. Ademais, na maior parte dos casos, os adjetivos aparecem de maneira abreviada, o que revela serem dispensáveis.

Por fim, o uso desses adjetivos em nada se relaciona com pronomes de tratamento, que seguem formas disciplinadas em lei e em manuais.

  1. Vem respeitosamente

De maneira semelhante ao comentado no item 2, o uso do advérbio “respeitosamente”, apesar de muito usual, é bastante desnecessário. O ato de ajuizar ação, por exemplo, não é desrespeitoso. Não se está pedindo favor, mas exercendo função essencial do Estado.

  1. Junto ao Tribunal

Muitos usam “junto a” no lugar da preposição “em”. Assim, escrevem “interpôs o recurso junto ao Tribunal” ou “resolveu a questão junto ao Procon”. No entanto, “junto a” (ou “junto de”) só pode ser utilizado quando indicar “na proximidade de”. Por isso, o correto é “interpôs o recurso no Tribunal” ou “resolveu a questão no Procon”.

  1. Interpor recurso em face de Fulano

Apesar de muito comum, não está dicionarizada a locução “em face de” no sentido de “contra”, apenas na acepção de “em razão de”. Por conseguinte, o adequado é “interpor recurso CONTRA Fulano”.

  1. Com efeito

“Com efeito” é locução adverbial que significa “realmente”, “de fato”. Por isso, só pode ser utilizado quando reafirmar algo que já foi mencionado. No entanto, frequentemente é usado para introduzir ideia nova, sem referência anterior que embase seu uso. Além disso, não é porque ela existe, que, a todo momento, será necessário escrevê-la.

  1. Como cediço

Creio que muitos usam essa forma porque a consideram bonita. No entanto, qual é a efetividade de “como cediço”? Essa expressão significa “como se sabe”. Se a todo instante se usa essa expressão, deve-se refletir sobre a utilidade da informação que é apresentada. Já que é algo notório, de conhecimento de todos, por que, então, trazer a informação no texto?

Sugiro aos meus alunos e alunas o uso dessa expressão quando se quer destacar algo que, apesar de ser conhecido e notório, foi ignorado.

  1. Em sede de recurso

Apesar de muitos redatores considerarem correta a forma “em sede de”, ela é inadequada. “Sede” significa “assento”, “cadeira” e, por extensão, “centro de governo, de diocese”. Assim, pode-se dizer “sede administrativa de um escritório”. Não encontra respaldo de gramáticos nem de dicionaristas o uso de “em sede de” no sentido de “no âmbito”, “na esfera”. Portanto, em vez de “em sede de mandado de segurança”, o adequado é “em mandado de segurança”.

Pode-se ainda optar por: “No âmbito do recurso extraordinário, é imprescindível a repercussão geral”; “No recurso especial, o Superior Tribunal de Justiça não poderá analisar provas”; “No habeas corpus, o juiz poderá corrigir eventuais vícios de forma”. 

  1. Pois bem

Todas as vezes, em cursos que ministro, pergunto aos alunos e alunas qual o significado de “pois bem”. As respostas sempre variam: “é forma de introduzir novo argumento”; “é pausa”; “é término de relatório e início da fundamentação”. Um dos principais motivos para essa expressão ser incorreta é exatamente o fato de cada um usar de uma maneira. Ela não está dicionarizada e, por isso, não é possível de ocorrer em textos formais. 

  1. Senão vejamos

Há manuais que registram essa expressão. Explicam o uso dela (inclusive com a menção à faculdade no uso da vírgula depois de senão). No entanto, trata-se de forma completamente desnecessária. Ela é utilizada para introduzir citação, em regra. O uso de dois-pontos elimina a necessidade dela. Experimente eliminá-la do texto.

Além disso, consiste em forma bastante artificial, que ocorre apenas em texto jurídico.

Pleonasmo

Pleonasmo – de acordo com Aulete, em seu Dicionário digital – consiste no “uso repetitivo de um conceito ou redundância de um termo; excesso de palavras para expressar uma ideia”. É bem comum a gente ouvir falar de sair para fora, entrar para dentro como exemplos de pleonasmo. E de fato são. No entanto, essas formas não são tão comuns em textos jurídicos. Vou abordar alguns exemplos que vejo em petições e/ou decisões:

  1. “O réu peticionou requerendo mudança no regime”: consegue perceber que a forma “peticionou requerendo” é redundante? Por que não apenas afirmar “requereu”? A informação é a mesma.
  2. “Interpõe o recurso com fundamento no art. 297 e 301 do CPC/2015”: o uso do ano na norma que está em vigor é desnecessário porque apenas esse código pode disciplinar a interposição do recurso. Seria importante mencionar “2015” se houvesse oposição com o de 1973, por exemplo, o que raramente acontece.
  3. “João e Pedro ajuízam a ação em virtude do dano causado por Joaquina, pelos motivos de fato e de direito a seguir aduzidos”: não é necessário mencionar o trecho “pelos motivos de fato e de direito a seguir aduzidos” porque apresentar referidos aspectos é decorrência lógica do ajuizamento da ação. 
  4. “Tal fato não pode ser analisada sob o enfoque do Tribunal de origem. Explico.”: na mesma linha do item anterior, a estrutura “explico” é redundante, já que a explicação para uma tese anteriormente mencionada é algo esperado. Se não ocorrer, há deficiência na argumentação. 
  5. “Trata-se de recurso especial interposto contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro”: aqui há exemplo diferente dos demais. O trecho “proferido pelo” não é propriamente redundante, mas pode ser resumido com a preposição “de” (e o artigo correspondente): “acórdão do Tribunal”.
  6. “A primeira coisa a dizer, inicialmente, é que o acórdão”:  por que “a primeira coisa a dizer” e “inicialmente”? É melhor ir direto ao ponto e afirmar o que se pretende. Ou, caso queira elencar as ideias, basta mencionar “inicialmente”.
  7. “A decisão citada acima”: a menos que haja duas decisões e se queira diferenciar uma da outra, é desnecessário usar “acima”, já que “citada” evidencia que se trata de informação mencionada.
  8. “O STJ firmou a jurisprudência pacificada no sentido de que referido imposto”: a ideia de “firmar jurisprudência”, que significa entendimento consolidado sobre algo, dispensa “pacificada”, basta “firmou jurisprudência no sentido de que”. Se ainda quiser ser mais sucinto(a), escreva “O STJ entende que o referido imposto”. A informação é a mesma.
  9. “Irresignado, o réu interpôs recurso”: não se interpõe recurso porque se está satisfeito. Para que o uso do adjetivo “irresignado”?
  10. “Colhe-se dos autos que o Tribunal de origem não concedeu a ordem”: a regra é as informações virem dos autos. Por isso, a estrutura “colhe-se dos autos”, além de repleta de uso conotativo da linguagem (“colhe-se”), é desnecessária.

Poderia trazer vários outros. A maior parte desses erros foi cometida por falta de atenção ao momento da escrita. É preciso que a gente traga consciência para o momento presente. Por isso, afirmo sempre aos meus alunos e alunas que o ato da escrita requer atenção plena, princípio muito difundido atualmente pela meditação. Fiquemos atentos e atentas, portanto!

Interjeição

Em nosso último texto sobre as classes de palavras, vamos tratar da interjeição. Ela traduz os nossos estados emotivos. Em regra, são expressões exclamativas. Elas podem se organizar em quatro grupos (BECHARA, Gramática escolar da Língua Portuguesa, 2004, p. 334): 

  1. Certos sons vocálicos que na escrita se representam de maneira convencional: ah!, oh!, ui!.
  2. Palavra cristalizadas, como puxa!, bravo!, salve!.
  3. Palavras que reproduzem ruídos de animais ou objetos, como clic, trim, bum.
  4. Locuções interjetivas: Tomara Deus!, cruz credo!.

Algumas informações importantes sobre as interjeições:

  1. Não desempenham função sintática; logo, não podem ser classificadas em relação aos termos da oração.
  2. Quanto às formas Viva e Salve, é preciso fazer distinção: viva pode ser interpretada como verbo e, assim, requerer a flexão em relação ao referente: viva a mulher; vivam os sobreviventes!. No entanto, a língua moderna tem optado por analisar tal forma como interjeição e, portanto, rejeitar a flexão: viva os sobreviventes. A norma-padrão ainda não aceita, de maneira ampla, esse uso, motivo por que sugiro que, em textos formais, ocorra a análise como verbo. Em relação a salve, como pura interjeição, não há flexão: salve os brasileiros. No entanto, se analisada a palavra como verbo (no sentido de livrar-se de dificuldade, de perigo), há flexão com o referente: Salvem os animais! Eles correm perigo. 

Numeral

Os numerais podem ser utilizados para indicar a quantidade exata de pessoas ou coisas, bem como para assinalar o lugar que elas ocupam numa série. Os numerais podem ser cardinais, ordinais, multiplicativos e fracionários. Vou trazer, neste texto, as informações relevantes sobre essa classe de palavra, relacionadas à elaboração de textos.

  1. São aceitas as formas quatorze e catorze (esta mais comum em Portugal).
  2. Na grafia de data, o primeiro dia do mês requer a numeração ordinal: 1º/10/2019, e não 01/10/2019. Atente que não há o zero à esquerda.
  3. Milhão, bilhão, trilhão, etc. comportam-se como substantivo e, por isso, flexionam-se: dois milhões. Importante observar que, por serem masculinos, deve-se dizer: dois milhões de crianças (e não duas milhões de crianças).
  4. Meio concorda em gênero com o designativo da quantidade de que é fração: comprou dois quilos e meio de carne; já são meio-dia e meia.
  5. Para apresentar a forma por extenso de valores, deve-se separar com vírgula classes diferentes, exceto quanto ao último item enumerado, que deve ser ligado com a conjunção e: R$ 235.750.508,00 (duzentos e trinta e cinco milhões, setecentos e cinquenta mil e quinhentos e oito reais); R$ 439.235,47 (quatrocentos e trinta e nove mil, duzentos e trinta e cinco reais e quarenta e sete centavos).

Ao grafar numeral ordinal com substantivo, três são as possibilidades: a1ª e 2ª Seção; a 1ª e a 2ª Seção; a 1º e 2ª Seções. Perceba que, se houver repetição do artigo, o substantivo ficará no singular. Além disso, não é possível o uso de artigo no plural: em vez de os primeiro e segundo andares foram interditados, deve-se dizer o primeiro e segundo andares foram interditados.

Verbos

Há muitos aspectos importantes relacionados a verbos. No entanto, como nossa série de classes de palavras objetiva evidenciar itens introdutórios, vou tratar dos tempos e modos verbais. 

O modo é a forma do verbo que indica a intenção do falante em relação ao fato que enuncia. O modo indicativo faz referência a fatos verossímeis ou tidos como tais: escrevo, escrevi, escreverei. O modo subjuntivo refere-se a fatos incertos: talvez escreva, se escrevesse. O modo imperativo sinaliza ordem, sugestão, desejo: escreva, escrevei.

No desenho a seguir, há os tempos que um verbo pode apresentar. Veja como o verbo estudar organiza-se. Apresentarei o modo indicativo e o subjuntivo, já que não há tempo relacionado ao modo imperativo.

Observe também que um verbo pode tanto apresentar forma simples quanto composta (ter/haver em determinado tempo, seguido de verbo no particípio).

Antes e depois de um texto

Em minha página do Instagram (@professor_wandersonmelo), publiquei um antes e depois de um texto. Para você que não viu a publicação, estes são os textos:

ANTES:

Diz-se tudo isso para evidenciar que é fato que existe uma norma que evidencia a legalidade do ato realizado pelo autor da ação; também é fato que o Tribunal de origem já pacificou a jurisprudência no sentido de que a empresa pública, ora agravada, pode, de fato, agir como postulante. Ou seja, o não provimento em 05/05/2020 do recurso foi descabido e injusto.

DEPOIS:

Portanto, existe norma que torna legal o ato da autora da ação. Além disso, o Tribunal de origem entende que a empresa pública, ora agravada, pode postular em juízo. Por conseguinte, não é correto o desprovimento do recurso em 5/5/2020.

Vamos entender todas as modificações? Primeiramente, a estrutura “diz-se tudo isso para evidenciar que é dato que” é prolixa, redundante. É preferível que a relação de sentido com a conjunção (no caso, “portanto”) e, em seguida, seja apresentada a informação em si, de maneira direta. Além disso, como era possível suprimir a forma “realizado pelo” por “do”, optei por modificar a redação para deixá-lo mais conciso.

Ademais, o período estava bastante extenso. Por isso, iniciei novo período com locução de adição, “além disso”, já que era essa a ideia expressa por “também é fato que”. Eliminei a estrutura “já pacificou a jurisprudência no sentido de que”, porque é extensa e pode ser, com manutenção de sentido, substituída por “entende” (verbo que evidencia uniformidade de orientação).

Ainda, havia repetição da palavra “fato”, o que cansa o leitor. Fiz também a alteração de “autor da ação” por “autora”, já que se trata da “empresa pública”.

Para evitar a linguagem emocional, já que se trata de texto técnico, optei por usar “correto”, em vez de “descabido e injusto”. Por fim, eliminei o zero à esquerda na data, por ser elemento desnecessário.

Como eu falo sempre aos meus alunos e alunas, passar muita informação em poucas palavras (ou com as palavras adequadas) é tarefa difícil, que requer prática. No entanto, esse processo precisa ser iniciado, com o foco em respeitar o leitor, respeitar o tempo do leitor. Não há mais espaço, na atual sociedade, para textos extensos, repletos de repetições e de informações imprecisas.

Conjunção e locuções conjuntivas

O uso da conjunção evidencia o sentido entre as orações, períodos e parágrafos. Destaco que alguns advérbios foram incluídos em razão do uso como conjunção. Seguem observações sobre o uso de algumas conjunções e locuções:

  1. O nem significa e não. Por isso, evite o uso de e nem, quando houver ideia de adição: Não ajuizou a ação e nem foi ao fórum. O adequado seria: Não ajuizou a ação nem foi ao fórum. 
  2. O uso da vírgula (ou das vírgulas se o termo estiver deslocado) em ainda, também e ademais é opcional. O uso dela não altera sentido, mas confere ênfase.
  3. As conjunções adversativas (à exceção de mas) e conclusivas podem ser utilizadas no início do período ou de maneira deslocada. Se estiverem deslocadas, obrigatoriamente devem ficar entre vírgulas. Veja dois exemplos:

O magistrado não foi à audiência, entretanto avisou a todos com antecedência.

O magistrado não foi à audiência, avisou a todos, entretanto, com antecedência.

  1. A vírgula antes de ou, em regra, é opcional. É mais usual quando há separação de orações extensas (e, portanto, menos comum quando há poucos termos alternados, como no enunciado João ou Pedro).
  2. Não está dicionarizada a locução eis que como causal. Por isso, não a use como sinônima de visto que. Ela só pode ser utilizada com o sentido de designação: Eis que o homem chegou.
  3. Posto que é locução concessiva, não causal. Assim, não a use como sinônima de visto que, mas como embora.
  4. A locução correta é uma vez que, e não vez que. O uso do artigo indefinido uma é imprescindível. Não está dicionarizada a expressão vez que.
  5. Em face de não está dicionarizada com o sentido de contra. Trata-se de locução causal (em razão de). Por isso, está inadequada frase como Interpôs recurso em face da União. O adequado seria: Interpôs recurso contra a União
  6. À medida que expressa proporção. Por sua vez, na medida em que designa explicação, causa (porque). Também pode ser usado como à medida que
  7. A princípio significa inicialmente, na etapa inicial: Faremos a princípio exames para descobrir o motivo da infecção. Já em princípio expressa em tese, teoricamente: Em princípio, todos são inocentes, nos termos do art. 5°, LVII, da Constituição Federal.

Preposição e locuções prepositivas

As preposições simples são: a, ante, após, até, com, contra, de, desde, em, entre, para, perante, por, sem, sob, sobre, trás. Ao lado delas, há ainda as acidentais, isto é, aquelas que, apesar de pertencerem a outras classes de palavras, funcionam como preposições: afora, conforme, consoante, durante, exceto, fora, mediante, menos, não obstante, salvo, segundo, senão, etc.

Acerca das preposições, é importante perceber o sentido que a preposição estabelece fica mais evidente quando ela se relaciona a verbo ou nome que não a requeira de maneira obrigatória. Isto é, quando há objeto indireto e complemento nominal, o sentido da preposição não se sobressai, motivo por que alguns gramáticos consideram a preposição nesses casos como esvaziada de sentido. Veja estes exemplos:

Viajei a Bahia.

Entregou ao chefe.

No primeiro caso, a Bahia é adjunto adverbial. O sentido da preposição a está claro: destino. No segundo exemplo, ao chefe é objeto indireto e o sentido expresso pela preposição a não fica tão claro (apesar de haver gramáticos que sugerem a noção de movimento em direção a).

Há várias locuções prepositivas. No entanto, quero ressaltar e comentar algumas, por saber que são mais comuns em textos:

  1. Acerca de/A cerca de/ Há cerca de

Acerca de significa sobre, a respeito de:

O processo tratava acerca da legalidade da atuação da empresa.

A cerca de significa a uma distância de:

Brasília fica a cerca de duzentos quilômetros de Goiânia.

Há cerca de significa faz aproximadamente:

Há cerca de um ano o escritório funciona neste endereço.

  1. A despeito de: é locução concessiva; tem o sentido de embora, apesar de.

A despeito da crise, houve geração de empregos.

  1. A fim de: expressão finalidade, com o objetivo de.

Elaborei o relatório a fim de evidenciar os resultados.

Estou a fim de tomar sorvete de mangaba.

  1. Embaixo de/ em cima de: a grafia pode tentar confundir, mas para indicar algo (ou alguém) em posição inferior, deve-se usar a primeira locução, enquanto a segunda fica reservada para indicar algo (ou alguém) em posição superior.

  1. Junto a/de: junto a, assim como junto de, é locução prepositiva com significado de ao lado de, nas proximidades de.

O processo estava junto à mesa do advogado.

Napoleão Mendes de Almeida, entre outros, condena a expressão no significado de em: Resolveu a questão junto ao Procon. Assim, é preferível: Resolveu a questão no Procon.

Pronomes

Há vários pronomes: pessoais, demonstrativos, de tratamento, possessivos, relativos, interrogativos e indefinidos. No texto de hoje, tratarei dos pronomes pessoais e demonstrativos.

O pronome apresenta importante função, já que é elemento de coesão textual. Isso significa que ele é utilizado para ligar as partes de um texto.

Veja quais são os pronomes pessoais:

Duas observações importantes:

  • Em regra, os pronomes pessoais retos exercem a função sintática de sujeito.
  • Em regra, os pronomes pessoais oblíquos exercem a função sintática de complemento de verbo.

Ele me pediu um favor. (Ele = sujeito e me = complemento de pediu.)

Os pronomes oblíquos tônicos são sempre acompanhados de preposição (as formas comigo, contigo, conosco e convosco já são grafadas com a preposição com). 

Na frase Não vi a ela há dois meses, o termo a ela é OD preposicionado, já que o verbo vi é VTD. Já na sentença Não pedi a ele, o termo a ele é OI, porquanto pedi é, no exemplo, VTI. Ou seja, o emprego da preposição é de rigor; o que gera a mudança de classificação é o verbo ao qual o termo se liga.

Como diferenciar, por exemplo, ele pronome do caso reto e ele pronome oblíquo? O que diferencia um do outro é que o pronome oblíquo é sempre preposicionado. Dessa maneira, é inadequado escrever O ministro observou ele; diferentemente de O ministro observou a ele. No primeiro caso, ele é pronome pessoal do caso reto; no segundo pronome oblíquo tônico.

Outro pronome que merece sua atenção é o pronome demonstrativo (este, esta, isto, esse, essa, isso, aquele, aquela e aquilo). Ele apresenta quatro funções, que serão descritas a seguir.

1) Função textual – pode ser subdividida em anáfora ou catáfora:

a) anáfora – referência a ideia já citada. Usam-se os pronomes esse, essa e isso.

A democracia foi prejudicada. Esse sistema político não pode sofrer interferência. 

b) catáfora – referência a ideia que ainda será mencionada. Usam-se os pronomes este, esta e isto.

Pesquisem sobre estas mulheres: Rosa Parks e Maria Lacerda de Moura.

2) Função referencial – localização no espaço. Este (e variações) indica que o objeto em questão está perto do locutor; esse (e variações) indica que ele está perto do interlocutor; e aquele (e variações) indica que o objeto está longe do locutor e do interlocutor. Exemplos: 

A mesa está nesta sala (na sala em que se está falando). 

Este é o País que temos (o País em que o locutor está).

Essa lâmpada deve ficar acesa (a lâmpada está longe do locutor e perto do interlocutor).

Aquele documento precisa ser corrigido (documento que está longe do locutor e do interlocutor).

3) Função distributiva – referência a dois termos anteriormente mencionados. Este (e variações) faz referência ao último termo mencionado; e aquele (e variações) faz referência ao primeiro termo mencionado.

A Ministra do Meio Ambiente e a Ministra da Educação irão à palestra. Esta fará a abertura; aquela, o encerramento.

4) Função temporaleste (e variações) indica presente; esse (e variações), passado ou futuro pouco distante; e aquele (e variações), passado vago ou remoto.

Esta época é muito seca. 

Nesse ano que passou, os problemas da empresa aumentaram

Nesse ano que virá, há expectativas de que a situação econômica melhore.

Naquele tempo, a Constituição não era respeitada.

Aspectos sobre adjetivos

O adjetivo (ou locução adjetiva) é termo que qualifica substantivo ou evidencia estado em relação a ele. 

Os livros de História podem ser imprescindíveis.

O termo de História (locução adjetiva) qualifica o substantivo livros, ao passo que imprescindíveis revela estado em relação ao mesmo substantivo.

Assim como falamos na semana passada em relação ao artigo e o substantivo, a palavra que acompanha artigo torna-se substantivo e isso pode ocorrer com o adjetivo.

O mar esverdeado provocava emoções.

O esverdeado do mar provocava emoções.

Na primeira frase, esverdeado é adjetivo; na segunda, substantivo. Veja ainda este exemplo:

O engraçado da piada não foi percebido pela plateia.

Engraçado, nesse contexto, é substantivo.

Além disso, outro aspecto interessante sobre o adjetivo é a posição dele em relação ao substantivo. A simples inversão dos dois termos pode resultar em mudança de análise:

Um caboclo velho comprou todas as fazendas da região.

Um velho caboclo comprou todas as fazendas da região.

No primeiro caso, caboclo é substantivo, já que é a palavra-núcleo, caracterizado pelo adjetivo velho; por sua vez, velho, na segunda frase, é substantivo (é o termo-núcleo), e caboclo é adjetivo.

O adjetivo anteposto ao substantivo, em geral, assume um sentido figurado, uma noção abstrata:

um grande homem = homem distinto (sentido figurado)

um homem grande = homem alto (sentido concreto, material)

um pobre indivíduo = indivíduo infeliz (sentido figurado)

um indivíduo pobre = indivíduo sem recursos (sentido concreto, material) 

O adjetivo anteposto ao substantivo, em geral, assume um sentido figurado, uma noção abstrata:

O adjetivo pode desempenhar duas funções sintáticas: adjunto adnominal e predicativo. Como nesta seção estamos ainda introduzindo o assunto, vamos apresentar dois exemplos e lhe mostrar a diferença inicial (mas importante) entre eles.

O senador tranquilo discursava à nação.

O senador, tranquilo, discursava à nação.

Nos dois casos, há o adjetivo tranquilo, que qualifica o substantivo senador. No entanto, se você observar atentamente, perceberá que o sentido é diferente entre as sentenças.

No primeiro caso, o adjetivo tranquilo indica que a referida característica é inerente ao senador. Em outras palavras, o adjetivo faz parte do sujeito: O senador tranquilo. Você poderia substituir por senador careca, senador alto, senador magro. Por sua vez, no segundo enunciado, o adjetivo tranquilo indica que a característica decorre de juízo de valor, é atribuída naquele instante ao senador. Então, sem as vírgulas, o termo é adjunto adnominal; com as vírgulas, é predicativo.

Atualmente, está muito difundido o uso de adjetivo como advérbio. Em regra, trata-se de adverbialização de adjetivos sem o acréscimo do sufixo -mente.

Os homens desceram rápido.

D. Felismina sorriu amarelo. (Machado de Assis.)

As palavras rápido e amarelo são advérbios. Você deve ter-se lembrado da famosa propaganda A cerveja que desce redondo, em que redondo é advérbio, apesar de, em tese, ser adjetivo. É importante que você perceba, em todos os casos, que, por serem advérbios, não há flexão de rápido, amarelo e redondo.

Substantivo

Há vários aspectos que podem ser apresentados sobre o substantivo. Vou, no entanto, reunir os principais pontos que podem ajudar o redator.

Primeiramente, substantivo é, em regra, núcleo de termo. Isso significa que, ao redor dele, há termos que estão a ele subordinados: artigo, adjetivo (e locução adjetiva), pronome adjetivo e numeral adjetivo. Esses termos exercem função sintática de adjunto adnominal, já que têm a função de especificar ou delimitar o substantivo. Por isso, jamais pode ocorrer nenhum sinal de pontuação entre eles e o substantivo.

O substantivo pode ser classificado em concreto (próprio ou comum), abstrato e coletivo.

1)         Concreto – indica algo de existência independente: caderno, caneta, lápis, computador. O substantivo concreto pode ser dividido ainda em:

a)         próprio – trata-se de designação específica, indica indivíduo ou coisa de determinada espécie: João, Açores, Brasília; e

b)         comum – aplica-se a todos os seres de uma espécie: homem, cidade, estado, papa, sexta-feira.

2)         Abstrato – indica algo de existência dependente: prazer, beijo, trabalho, cansaço. Isso significa que, para ele ocorrer, é preciso que algo ou alguém o execute. Por exemplo, dor é substantivo abstrato, já que depende de alguém que a sinta.

Dois aspectos são importantes dessas definições: a) o substantivo comum, quando especificado, principalmente no contexto jurídico, é utilizado com inicial maiúscula: Ministro João Pedro; Lei n. 8.112/1990; b) a conceituação de substantivo abstrato é importante para aqueles que desejam saber a diferença entre adjunto adnominal e complemento nominal.

3)         Coletivo – é um substantivo comum que, no singular, designa conjunto de seres ou coisas da mesma espécie: alcateia, elenco, constelação, legião, turma, quadrilha.

Um ponto importante em relação ao substantivo coletivo é que, em regra, para evitar o pleonasmo, dispensa-se a enunciação da pessoa ou da coisa a que o substantivo se refere. Diz-se a multidão caminhava perto do papa, e não a multidão de pessoas caminhava perto do papa. Quando, no entanto, o significado do coletivo não for específico, deve-se nomear o ser a que se refere, por exemplo, um bando de alunos elogiou o professor.

É também relevante a flexão do verbo ao usar o substantivo coletivo: O povo exigiu mudanças no Parlamento. Mesmo o substantivo indicando ideia plural, o verbo fica no singular.

Por fim, é preciso atenção quanto à flexão de substantivo composto, que pode ser ligado sem ou com hífen. No primeiro caso, para efeito de plural, basta considerar como se fosse um substantivo simples: aguardente(s), planalto(s), malmequer(es), pontapé(s). Por sua vez, o plural dos substantivos compostos ligados por hífen obedece à lógica de classes de palavras variáveis e invariáveis.

Resumidamente, o plural dos substantivos compostos se dá da seguinte forma:

  • apenas o segundo elemento vai para o plural quando somente ele for variável;
  • as duas palavras vão para o plural se ambas forem variáveis; e
  • nenhum dos elementos vai para o plural quando nenhum for variável.

As regras que fundamentam esses enunciados são estas:

1) Quando apenas o primeiro termo do composto for invariável, o substantivo ou o adjetivo que a ele se liga vai para o plural. O verbo, quando forma substantivo composto, perde o efeito flexional e, assim, fica invariável.

Repare que sempre é advérbio, vice é prefixo, guarda é verbo, abaixo é advérbio, todos termos invariáveis. Diferentemente, as palavras viva, presidente, roupa e assinado são variáveis (as três primeiras são substantivos, e a última, adjetivo).

2) Vão as duas palavras para o plural quando o composto é constituído de dois substantivos, ou de um substantivo e um adjetivo:

Destaque-se que, quando os dois termos são substantivos, também é possível a flexão apenas do primeiro: cartas-bilhete (ou cartas-bilhetes), salários-família (ou salários-famílias), bananas-prata (ou bananas-pratas), cidades-satélite (ou cidades-satélites). [1]

3) Não se flexionará nenhum dos elementos quando eles forem invariáveis ou quando o último já estiver no plural:

4) Por fim, apenas o primeiro termo vai para o plural quando os elementos se ligam por preposição: [2]

É isso (e muito mais)! Fico por aqui e, na próxima semana, continuamos a tratar de classes de palavras. Até lá!


[1] Algumas palavras dessa regra perderam o hífen depois do Acordo Ortográfico de 1990.

[2] Inexplicavelmente, o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (Volp) traz apenas a opção navios-escola.

Classes de palavras – parte 1

A partir de hoje, vou abordar características das classes de palavras. Assim, a cada semana, trarei informações sobre elas. Meu objetivo não é tratar de todos os temas relacionados às classes, mas apenas daqueles que podem favorecer a elaboração de textos.

Como você sabe, há 10 classes: substantivo, artigo, adjetivo, pronome, numeral, pronome, verbo, preposição, conjunção e interjeição. As seis primeiras são variáveis; as quatro últimas invariáveis.

Costumo, no entanto, falar aos meus alunos que há uma 11ª classe de palavra: termos expletivos ou de realce. Essas palavras não integram nenhuma classe. Elas não exercem função morfossintática. Servem apenas para atribuir ênfase.

As gramáticas não apresentam as palavras expletivas como 11ª classe. Trago dessa maneira apenas com efeito didático, para que perceba que elas não têm função morfológica nem sintática e, assim, podem ser suprimidas da oração.

Há vários termos expletivos, mas os mais usuais são: é, que e é que. Por isso, irei me concentrar neles. Veja os exemplos:

A verdade é que trouxe alívio à família.

Eu acredito é na rapaziada.

Quanto que é a conta?

Nessas frases, os termos em destaque podem ser suprimidos, sem alteração morfológica, sintática e semântica, o que nos evidencia que todos são termos expletivos. Assim, pode-se escrever:

A verdade trouxe alívio à família.

Eu acredito na rapaziada.

Quanto é a conta?

Talvez você esteja pensando no motivo de uso dos termos expletivos. No primeiro enunciado, objetivou-se dar ênfase ao sujeito (a verdade); no segundo, ao objeto indireto (na rapaziada); no terceiro ao predicativo (quanto). Compare as frases sem os referidos termos àquelas com as palavras de realce.  

Nesse contexto, é importante você conhecer esses termos por dois motivos: a) utilizá-los como recurso de ênfase; b) suprimi-los se houver excesso de que ou é.

Agora, observe as frases seguintes:

A verdade é que você é inteligente.

A descoberta é que seremos recompensados.

Nessas sentenças, os termos é que não podem ser suprimidos sem que haja alteração: A verdade você é inteligente ou A descoberta seremos recompensados. Isso significa que possuem função morfológica, sintática e semântica; logo, não podem ser classificados como termos expletivos.

Na próxima semana, falarei de substantivo e das particularidades dessa classe!

Como grafar horas

Muita gente ainda não faz a grafia adequada de hora. Por isso, seguem as regras:

a) O símbolo de hora é h, o de minuto min, o de segundo s. Os símbolos não acompanham ponto nem s de plural. Esses símbolos são utilizados para designar horas quebradas, os quais devem ser escritos sem espaço.

A sessão da Corte Especial começa às 14h30.

Assim, não se pode grafar hora desta maneira: 14hr; 14hrs; 14:00.

b) O uso de min é opcional, se não houver segundos.

O bebê nasceu às 14h30min10s ou O bebê nasceu às 14h30min10

c) Em horas exatas, é preferível a forma não reduzida. Ainda, não se utiliza o zero antes do numeral.

Saí às 7 horas (e não às 07h)

d) Não se usam algarismos para registrar duração, tempo decorrido. A mesma regra se
aplica a dias, meses e anos.

O julgamento durou três horas e trinta minutos.

O réu ficou preso por nove anos e sete meses.

Como citar datas no texto jurídico

Frequentemente, no texto jurídico, é necessário citar data. Por isso, seguem as principais recomendações.

a) Não se abrevia a localidade. Ou seja, não se usa “SP, 7 de abril de 2020”.

b) O primeiro dia é sempre ordinal. Não existe zero antes do número 1 ao 9: Rio de Janeiro, 1° de setembro de 2018; 7.8.2017.

c) A unidade da Federação não é obrigatória. Convencionou-se o uso da sigla que designa o estado apenas em municípios, para evitar dúvida, e o uso sem sigla do estado em capitais: Brasília, 7 de agosto de 2019; Luziânia (GO), 23 de outubro de 2020.

d) Para apresentar a sigla do estado, pode-se usar travessão, parênteses ou barra.

e) O mês é escrito em minúsculo e por extenso.

f) Não existe ponto entre o milhar e a centena no ano: 2019 (e não “2.019”).

g) No texto, pode-se grafar a data por extenso ou de forma abreviada: A petição foi assinada em 8 de abril de 2018; O acordo foi firmado em 7/9/2020.

h) Em datas, pode-se usar a barra ou o ponto para separar dia, mês e ano.

i) A data, mesmo centralizada, requer ponto-final.

Coerência e coesão textual

A coerência é a qualidade do texto que se refere à ligação de ideias harmonicamente. A relação entre as ideias deve manter continuidade de sentido. A coerência está unida à coesão. A coesão consiste no uso de palavras que relacionam as ideias do texto. De acordo com o Manual de Redação da Presidência da República, para conseguir a coesão e coerência, podem ser utilizados os seguintes mecanismos: referência, substituição, elipse e uso de conjunção.

A referência é o uso da anáfora e da catáfora. A primeira diz respeito à referência à ideia já citada. A segunda concerne à referência à ideia que ainda será mencionada. Exemplos:

O parque foi fechado por prevenção. Não se sabe quando ele reabrirá. (O termo ele retoma parque, o que caracteriza a anáfora).

Vejam-se estes precedentes: (o pronome estes faz referência à ideia que será evidenciada – catáfora).

A substituição consiste na colocação de palavra sinônima. Exemplo:

O ministro concordou com o advogado. O magistrado, assim, reviu seu posicionamento. (O termo magistrado substitui a palavra ministro.)

Deve-se atentar, porém, a esse uso porque nem sempre será possível ocorrer equivalência de sentido, situação em que é preferível repetir a palavra.

A elipse diz respeito à omissão de termo recuperável pelo contexto. Exemplo:

O candidato interpôs recurso contra a banca examinadora. Solicitou que fosse anulada a questão. (Houve omissão de o candidato, sujeito do verbo solicitou.)

O uso de conjunção evidencia o sentido entre orações, períodos ou parágrafos.

A emenda do senador causou impactos negativos no orçamento, porque exigiu acréscimo de alíquotas não previstas.

A conjunção porque introduziu a causa para a informação anteriormente mencionada.  

Gostou do tema? Então, fique ligado porque, na próxima semana, vou lançar um e-book com várias outras informações sobre isso.

Vossa Excelência X Sua Excelência

Seja em ofícios seja em discursos, o pronome de tratamento destinado a autoridades é frequentemente utilizado de forma equivocada.

Para entender a adequação de cada um, deve-se observar o seguinte:

O texto é utilizado para se falar com a ou da autoridade?

– Quando nos dirigimos diretamente à autoridade, utiliza-se “Vossa Excelência”:

“ Sabemos que Vossa Excelência, senhor deputado, votou a favor da reforma.”

– Quando se faz referência à autoridade, utiliza-se “Sua Excelência”:

“Enviamos a pauta para Sua Excelência o Senador Josias Castro, que votou a favor da reforma, convidando-o para a entrevista”.

Obrigado e até a próxima dica!

Como abreviar “atenciosamente”

Muita gente acha que a abreviatura de “atenciosamente” é “att”. Se você pensa isso também, saiba que não é correto.

De acordo com o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP), a abreviatura correta é “At.te”. Apesar de ser a forma correta, ela é pouco usual. Por isso, dificilmente seu interlocutor saberá do que se trata.

Além disso, o Manual de Redação da Presidência da República veda a abreviatura de “atenciosamente” em documentos oficiais. Assim, caro aluno, minha dica é: não abrevie, mesmo em “e-mail”, a palavra “atenciosamente”.

Não custa nada acrescentar algumas letrinhas.

Espero que a dica seja útil para você!

A maioria “passou” ou “passaram”?

Assunto frequente em provas de concursos e em textos institucionais.

Quando o sujeito é formado por expressões partitivas (a maioria de, grande parte de, etc.), a flexão do verbo pode ocorrer com o núcleo dessa expressão ou com o especificador dela.

Assim, estão corretas as frases:

  • A maioria dos estudantes PASSOU.
  • A maioria dos estudantes PASSARAM.

No primeiro caso, o verbo ficou no singular para concordar com “maioria”, núcleo do sujeito. No segundo exemplo, houve flexão com “estudantes”, núcleo do especificador.

Tudo bem?

Civil X Cível

Jovens jurídicos, ambas as palavras são registradas no Volp e, portanto, integram o vocabulário da Língua Portuguesa. No entanto, o uso delas difere.

Cândido de Oliveira (1961, p. 33) explica:

“CÍVEL é o ‘relativo ao Direito Civil’ e CIVIL é ‘o que diz respeito às relações dos cidadãos entre si’. Assim, ‘cível’ indica elementos que se referem ao Direito Civil: causa cível, vara cível.”⠀⠀⠀

Já o termo CIVIL é utilizado em oposição ao que é criminal: ação civil, processo civil, prisão civil.

Fora do âmbito jurídico, utiliza-se a designação “civil” para distinguir algo ou alguém de um militar ou desvinculá-los de outras condições e situações peculiares, como nos casos de guerra civil, casamento civil, estado civil, exército civil.     

Atente para a grafia dessas palavras

Essas palavras, muito utilizadas na atividade jurídica, receberam, após o novo Acordo Ortográfico, a seguinte grafia:

  • coautor
  • contrarrazões
  • prequestionamento

Fique atento!

Segue anexo ou em anexo?

Você vai enviar um e-mail à sua chefe e ficou na dúvida? É o seguinte:

ANEXO: é adjetivo e, portanto, se flexiona de acordo com o substantivo a que se refere:

  • Envio-lhe anexas as cartas.
  • Seguem os documentos anexos.

EM ANEXO: locução adverbial e, portanto, não apresenta flexão:

  • Envio-lhe em anexo as cartas.
  • Seguem os documentos em anexo.

As duas expressões são utilizadas pelo Manual de Redação da Presidência da República e, assim, apresentam respaldo para ser empregadas em seu texto.

Por fim, quanto ao uso da vírgula nas referidas expressões, é opcional. O uso dela conferirá ênfase à redação.

Não erre mais!